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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Deuses, você e seu cachorrinho

Possivelmente você tem ou teve um cachorro. Um cão de companhia ou de guarda. Você observou o comportamento dele em relação a você, ou a pessoa que de fato manda em sua casa? 

Sim, pois ao contrário do que os politicamente corretos pensam, todo grupo humano tem um líder, e sua família não é diferente. Direitos iguais são muito bonitos, mas observe seu totó, e verá quem é o líder de fato. Ele não sabe nada sobre as sutilezas sociais humanas. 

Cães são animais bastante transformados pela "seleção artificial em relação aos seus antepassados lobos, são mamíferos, carnívoros e sociais. Têm um ótimo senso de hierarquia, pois isso era fundamental para sobreviver em bando quando ainda não haviam sido domesticados. Convivem conosco, humanos, há talvez mais de 15 mil anos. 

Foram vítimas de uma seleção de habilidades pretendidas pelos criadores, que cruzavam indivíduos cujas características queriam preservar e aprimorar. São uma evidência de que uma espécie (o lobo) “se transforma em outra” (o cão), para o desespero dos fixistas, que negam radicalmente a evolução das espécies. Mas é válida a argumentação de que, nesse caso, a seleção de característica e habilidades pretendidas foi algo planejado.

Quais seriam as habilidades pretendidas citadas acima? Uma delas é a obediência aos seres humanos, obviamente. Diminuição da agressividade é outra, no caso cãezinhos de companhia. No caso de cães de guarda, essa característica foi mantida, ou mesmo aumentada. 

Quanto às características selecionadas, houve a “diminuição do tamanho” e outras específicas para cada variação da espécie, como pernas curtas, pelo comprido, focinho achatado, etc. Esse processo de seleção artificial ocorre a todos os seres vivos que tenham sido domesticados por nós há tempo suficiente.

Todas as diferenças entre seres vivos selvagens e domésticos são fruto da seleção artificial, do cruzamento e seleção de indivíduos, animais ou plantas, que disponham de características mais desejáveis, seja a produção de mais carne, de uma flor mais atraente ou um bichinho que nos alegre.

Condicionado por essa seleção de características que o tornam apegado e dependente dos seres humanos, o cão se vê como membro do grupo de pessoas com as quais convive, mas em condição de inferioridade. O chefe da casa é o indivíduo a que ele mais obedece, até chegar ao individuo que ele trata quase “como a igual”, sendo mais teimoso com ele, ou o temendo menos. Geralmente é o membro mais novo do grupo ou um adulto infantilizado...

Quando há mais de um cachorro na casa, ele se encontra inserido nessa hierarquia, nunca num nível superior ao chefe humano. Esse último (você?) em especial é visto como um ser superior. 

Um ser que provê o alimento e a água, que permite ou não que fique dentro de casa, que abre a porta ou o portão para que possa sair e entrar, que lhe reprima quando há comportamento inadequado e o recompense quando há acertos (e esses erros e acertos são estabelecidos por você, esse ser superior), que lhe afague ao menos de vez em quando… 

Ou seja, para seu cachorro, você é um deus.

A vantagem dele em relação a você é que esse deus convive com ele. O cachorro não tem inquietações sobre estar ou não acreditando em algo inexistente, pois você existe e está presente. 

Em grande parte, as mesmas condições evolutivas que determinaram que seu cão o idolatrasse fizeram nossos antepassados pré-humanos verem os líderes dos grupos dos quais faziam parte como sendo mais “capazes”, superiores, com dons especiais de liderança, e inteligência mais aguçada que os “comuns mortais”. 

E como temos consciência e capacidade de abstração, transportamos essa crença na superioridade dos líderes para criaturas imaginárias, sábias e poderosas, os deuses.

É sintomático que as culturas primitivas (uso o termo no sentido próprio, do que é o primeiro a existir; que precede) tenham divinizado seus líderes, ou ao menos atribuído-lhes maior intimidade com os deuses. Mas essa mesma consciência que cria falsas noções sobre a realidade nos permite desfazer esse engano. 

Ao contrário de seu bichinho, você tem condições de analisar suas crenças, comparar com a realidade, constatar a existência ou não de evidencias que a confirmem ou neguem… 

A própria evolução da democracia, ainda muito imperfeita, mas enormemente superior à “teocracia” é uma vitória da consciência crítica sobre os mitos antigos. 

A crença em seres superiores imaginários é exclusiva da humanidade, pois para os cães, os seres superiores são reais.

Texto de minha autoria já publicado em  http://livrespensadores.net/artigos/deuses-voce-e-seu-cachorrinho/