As
ideias expostas acima demonstram alguns equívocos sobre a influência da
evolução em nosso comportamento presente. É um erro se ter em mente algumas
sociedades apenas e tomar essa parte como referencia a toda a humanidade. É um
erro também reduzir comportamentos complexos largamente influenciados pela
cultura à sua base biológica, ao contrário deve-se partir da base e observar se
há influencia dela sobre o comportamento. E em especial é um erro acreditar que
comportamentos surgidos recentemente sejam de origem imediatamente biológica.
Antes é necessário considerar-se que eles refletem indiretamente sua origem
evolutiva ocorrida há, no mínimo, centenas de milhares de anos*. Nossa
consciência tem influência em geral decisiva sobre comportamentos de origem
biológica, mas nem sempre. Temos que entender que nossa vontade é algo complexo.
Agimos de forma planejada, organizada e tudo o mais, mas há também o impulso, o
fazer algo “por instinto”. Afinal de contas as partes primitivas de nosso
cérebro não se diferenciam do cérebro de outros primatas.
Vivenciei um caso
interessante nesse sentido. Uma jovem assistente social feminista e militante
de esquerda, ao ser paquerada inoportunamente por um conhecido, obedeceu ao
impulso inato de reclamar ao parceiro ao invés de usar os tais direitos iguais
e reclamar ao próprio assediador... Apesar da cultura em que ela se insere lhe
dizer que é a mulher que deve cuidar de si, ela prudentemente obedeceu ao que a
evolução lhe mandou fazer... Quando nos referimos aos comportamentos inatos
devemos ter em mente que eles podem ser evitados se quisermos, mas não
suprimidos de todo.
A nossa base biológica é assim um alicerce. Não há
determinismo absoluto quando tratamos de nossa mente. Quando falamos de grupos
sociais existe grande influência da cultura. Em indivíduos existe a capacidade
de repensar o que sentimos e de frear o que queremos fazer. Essa capacidade é
obra da consciência. A consciência não é uma entidade mística que habita nosso
cérebro. Origina-se nas partes mais modernas do nosso encéfalo. Ela própria é
fruto da evolução por seleção natural, e ironicamente, é o que nos permite
viver “acima do mundo natural” onde evoluímos.
A
ideia sobre roupas é muito direta e não reflete a complexidade da questão. Antes
de observar a suposta atração das mulheres por vestuário é necessário
identificar se houve alguma vantagem evolutiva direta nisso ou se as roupas representam
um símbolo. Nem todos os grupos caçadores usavam peles para se proteger. Entre
os povos de regiões tropicais não havia o uso de roupas propriamente ditas. Tudo
see resumia a proteção dos órgãos genitais, a não ser em comemorações e
guerras. Mas o uso de dentes de animais predadores em colares, penas de aves de
rapina em cocares e outros enfeites em orelhas, braços e pernas, além de
tatuagens, eram comumente usados para demonstrar status.
Chefes obviamente
tinham cocares com penas maiores, colares com dentes de lobos, ursos, leões e
outros grandes predadores. Mas mesmo essas práticas em si são relativamente
recentes e não foram filtradas pela seleção natural. Antes são elas fruto de
comportamentos ainda mais antigos, esses sim determinados da evolução. Seguir
líderes é comportamento evolutivo em nossa espécie e em inúmeras outras. Para manter-se
na liderança o chefe usa de modos de se diferenciar e de impor sua vontade.
Entre outros animais essa diferenciação e a autoimposição se dão quase
exclusivamente pelo maior tamanho e maior força física. Nos animais sociais
onde o macho é dominante ocorre desses serem em média maiores e mais fortes que
as fêmeas. Entre os elefantes africanos a dominação é feminina devido a serem
as fêmeas maiores e mais fortes que os machos.
Entre nós a dominância é masculina.
Mas como temos consciência há uma divisão maior de poder nas sociedades em que
as mulheres lutam por ele. A consciência é o fenômeno mais emblemático criado
pela seleção natural. É a consciência, o conjunto de nossas funções mentais
superiores, que nos possibilita atualmente sobrepujar a influencia da seleção
natural. Mas ela própria é fruto dessa seleção que tornou nosso cérebro capaz
sentir, interpretar e reconstruir a realidade.
É a consciência que nos permite
criar símbolos de status, como as roupas de grife, os enfeites corporais como
colares, pulseiras e anéis de ouro, prata e pedras preciosas, os carros de
luxo, mansões e palácios, os hábitos considerados refinados para diferenciar-se
dos “hábitos grosseiros” das pessoas comuns... Alguns símbolos são explícitos
como coroas na cabeça dos reis e um carrão na garagem. Ou um título de
doutorado.
As pessoas sem poder aquisitivo e outros meios para adquirir esses
símbolos de status apelam para cópias que simulam o status elevado. Assim temos
bijuterias, réplicas de roupas de marca e carros populares com enfeites que
simulam os de carros mais caros (como o Cross Fox e o Sandero Stepway, ambos compactos
disfarçados de SUVs). Porque temos pessoas que gastam muito mais do que ganham
e fazem de tudo para criar e manter a aparência de status elevado? Esse
comportamento sim é muito diretamente determinado pela seleção natural, é
geral, comum a todas as culturas e tem clara função de atração de parceiros
para a reprodução.
Não
são, portanto, as roupas em si a questão, mas sim determinar a origem comum de
toda a simbologia que indique liderança/atração. Tanto homens quanto mulheres
em nossa sociedade respeitam, dão atenção, tem consideração maior ou no mínimo
entendem se tratar de alguém diferenciado quando veem homens vestidos com um
terno. Entre os povos indígenas da América do norte isso ocorria com homens que
usassem colares de garras de urso e cocares de penas de águia grandes e
vistosas.
Os significados de símbolos diversos são aprendidos culturalmente,
mas há a tendência inata de reverenciar símbolos que indiquem liderança e
autoridade. Em
todas as sociedades, não importam diferenças culturais, o líder se encontra
acima e afastado de seus liderados e usa objetos e vestuário que definem sua
função. Mesmo que realmente queira “se mostrar igual a todos”, ele não é visto
assim por aqueles que o seguem ou que são obrigados a segui-lo. Será amado ou
odiado, respeitado ou não, temido ou visto como vacilante, mas de qualquer
forma ficará em evidência. O uso de trajes considerados superiores é
obrigatório, tanto pelo presidente de um país moderno em uma cerimônia quanto
por um chefe tribal na comemoração da vitoria em uma guerra contra a tribo
inimiga.
O uso de “traje inadequado” é capaz de causar constrangimento a um
nível totalmente irracional. O comparecimento de um general em revista a tropa
usando bermuda e camiseta seria por si só considerado insanidade, do mesmo modo
que um soldado em formação usando esse mesmo traje seria punido por
insubordinação. Símbolos de poder apelam e se comunicam diretamente com as
parcelas primitivas de nossa mente, as que não questionam e agem
automaticamente, e as roupas são talvez o símbolo máximo nesse contexto.
O
comportamento de seguir líderes não é totalmente racional. Ele é aceito de
forma acrítica pela maioria das pessoas. Comportamentos automáticos e próprios
do senso comum são em parte diretamente determinados pela seleção natural.
Entre
nós, devido a sua ação consciente, a mulher já alcançou em média maior status
que em relação a todas as outras sociedades do passado. Daí então elas se
apossarem de símbolos de status e liderança, antes quase exclusivamente
masculinos.
Essa
transformação social é uma evidencia de que entre nós a consciência joga um
papel enorme na superação de nosso passado evolutivo, mas negar a influencia
desse passado é erro grave.
*Ver
no texto “A evolução humana continua a ocorrer?” nesse mesmo blog a explicação
para que a evolução por seleção natural tenha aparentemente sido freada na
humanidade nos últimos milhares de anos.
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