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sábado, 17 de agosto de 2013

Anarquia II

É fato que os não ricos reagem contra a opressão e a exploração. Por vezes conseguem influenciar de forma limitada ações governamentais em beneficio a si contra os ricos, mas tudo com muita organização e luta aprovando direitos tais como seguro desemprego, estabilidade no trabalho, salários mais altos, descanso remunerado, e tudo o mais que é visto pelos ricos e seus puxa sacos como sendo incentivo a preguiça... Alias esse erro que é identificar a contradição entre governo e sociedade e não entre classe dominante contra classes dominadas evoluiu para algo de uma estupidez difícil de igualar. A ideia “anarco capitalista” de que é possível uma “sociedade livre” com a manutenção e o incentivo a divisão da sociedade em classes sociais. 

Ora, com classes sociais os mais ricos dominam os mais pobres e é exatamente essa dominação que cria a necessidade de um governo dos ricos contra os pobres. É uma tolice identificar capitalismo com anarquismo, mas crenças há de todos os jeitos e poucas são racionais...

O governo da parte economicamente mais forte sobre a sociedade recebe o nome de Estado. Então aí temos algo concreto. Acabar com a opressão do Estado é acabar com a exploração econômica. Se anarquismo pode ser uma bobagem subjetiva quando prega contra o governo em geral, passa a ser algo diferente quando percebe que não é o governo e sim o Estado o inimigo. Já são passos a mais dados no caminho. E em nosso país os passos dos anarquistas em direção a um entendimento melhor formulado sobre a realidade foi fundamental para a criação do Partido Comunista em 1922. Mas a estrada é longa. 

A superação da sociedade atual, o fim da exploração, não me parece ser algo visível no horizonte, então o que toca é ao menos diminuir essa exploração. Algo que afinal de contas é possível. Países com tradição de lutas populares tendem a ter mais direitos aos trabalhadores. Países como o nosso, aonde a exploração chega ao nível do parasitismo mesmo, não tem uma mobilização popular a altura. A eleição de representantes da esquerda para altos cargos rende resultados visíveis em relação à realidade social anterior, mas ainda de forma muito limitada. 

Os ataques irascíveis da direita, no entanto mostram o que aguarda um governo que se volte mais aos interesses populares contra os privilégios da nossa “elite” uma das mais obtusas, anacrônicas e adversas ao trabalho no mundo. Alias é incrível como a parcela obtusa da classe média atribui ao povo brasileiro algo que é próprio da classe dominante, a falta de esforço e a vida à custa do erário público. 

Anarquismo é palavra de significado vago. Pessoas sem noção sobre a realidade social podem ser anarquistas, do mesmo modo que as que querem confundir... Mas tb há sim os anarquistas com conhecimento sobre como funciona a sociedade e que se apegam a formas de se transformá-la, mas mesmo esses cometem um erro. A ilusão de que tudo se dará por magia. Sim, magia, o proletariado toma o poder, acaba com o Estado instantaneamente e fim. Temos uma nova sociedade, tal como quando se apaga uma folha de papel escrita a lápis e se reescreve o texto... Mas lápis deixa marcas no papel. 

As parcelas revolucionárias da esquerda diferem dessa concepção de anarquismo pq acreditam que após a revolução haverá um período de transição para um novo tipo de sociedade. Não se transforma a sociedade em uma noite, dizem. E tem razão. Mas mesmo essa tendência não encontrou formas reais de se superar o capitalismo. Deve continuar a tentar entender melhor a sociedade atual, seus pontos fracos e formas reais de superá-la sob riscos de novos fracassos se não o fizer. 

Assim a diferença entre o anarquismo mais conseqüente e a esquerda revolucionária se limita a compreensão da necessidade do período de transição, já que ambas as correntes políticas identificam a contradição entre classes sociais como o ponto fundamental. As outras concepções anarquistas variam desde as ingênuas e pueris que creem na redenção do ser humano por meio da educação até as mais psicóticos que identificam na exploração capitalista a sociedade libertária...

Anarquia I

Toda sociedade humana tem governo, do mesmo modo que todo animal social tem líderes. A utopia romântica de uma sociedade “sem governo” é algo sem sentido. O caso é ver em interesse de quem essa liderança é exercida. Estado é o governo da parcela economicamente mais poderosa da sociedade sobre as demais. É possível então acabar com o Estado se for possível acabar com a dominação econômica, mas não acabar com o governo. Sociedades sem classe não tem Estado, mas tem governo, pois liderança é algo inato a todo animal social. Anarquistas mais consequentes lutam contra o Estado, e mesmo quando usam o termo governo se referem ao domínio econômico, que gera o domínio político e ideológico... Anarquistas que dizem lutar contra o governo “em geral”, sem caracterizar diferenças entre liderança, controle e dominação social ou são ingênuos ou enganadores...


Anarquia, eis um termo usado pelo senso comum para expressar um desejo, o da ausência de governo... Mas todas as sociedades, desde as mais primitivas às mais atuais sempre foram governadas e o governo foi se tornando cada vez mais complexo a medida que a própria sociedade foi se sofisticando. 

Ausência de governo, cada um plenamente consciente se suas responsabilidades sem necessidade de regras impostas, tal coisa nunca existiu... O caso é que nossos antepassados pré-humanos já se organizavam em bandos com líderes, o que é alias a regra de todos os animais sociais. Nossa estrutura mental produzida por seleção natural nos condiciona a comportamentos que tornam utópico o objetivo de construir uma sociedade sem governo. 

É ingenuidade acreditar que através da educação e outras formas de incentivo cultural as pessoas passem a pensar e agir de forma totalmente diferente do que fazem hoje. Seriamos folhas em branco onde a sociedade atual, egoísta e mesquinha imprimiu esse comportamento em nós... E através da “reeducação” desaprenderemos a ser assim...

É caso para se perguntar de onde vieram essas características de nossa sociedade... Surgiram do nada, foram implantadas em nossa mente por um ser sobrenatural e passaram a nos guiar em nosso comportamento e atitudes? 

Nossos antepassados evolutivos já tinham comportamentos tais como os nossos. Não somos totalmente demônios egoístas e nem totalmente anjos altruístas pq esses comportamentos foram ambos favorecidos pela seleção natural devido ao ambiente em que evoluímos. É a teoria da evolução por seleção natural, aliás, que possibilita um enfoque cientifico a algo que ficava apenas no mundo abstrato da discussão filosófica entre Rousseau e Hobbes. 

Tendemos a ser menos egoístas e mais cooperativos com grupos de pessoas próximas a nós e menos solidários com grupos de pessoas distantes. Isso se deve ao fato de que a ajuda mutua entre pessoas próximas tende a se reverter mais facilmente em benefícios gerais do que a ajuda a pessoas distantes... Entre sociedades primitivas, ao contrario do que imaginam tantos utópicos modernos, a guerra por território de caça era a regra, nada de bons selvagens, nada de povos primitivos bonzinhos, índios em harmonia vivendo na paz e no amor... Isso é pura fantasia hippie que foi aliás reutilizada no mega sucesso filme Avatar, de Jon Cameron. Essa ideia fantasiosa sobre nosso passado infelizmente foi adotada pelas parcelas mais “românticas” da esquerda que trocam nossa biologia e Marx por Rousseau... 

Evoluímos cooperando com nosso grupo pq quem não fazia isso facilitava a morte de todos pelo grupo inimigo... E quem morre cedo não deixa descendentes... 

De todo modo nosso comportamento inato não é determinista no sentido de nos fazer bons ou maus. E o incentivo ao desprendimento, a colaboração e afins podem aumentar a disposição das pessoas a praticas benéficas. E principalmente, se tornarmos toda a humanidade o “nosso grupo”, passaremos a ser menos egoístas. 

Mas esse ideal tem barreiras objetivas enormes a serem superadas. Em especial o fato que realmente há interesses antagônicos entre os vários grupos em que se divide a humanidade. E ser solidário com quem age contra vc ou ao seu grupo é atitude pouco inteligente. É necessário superar esses antagonismos de interesses através da transformação da sociedade em algo muito diferente do que é hoje.

Há inúmeras formas de se organizar a liderança de uma sociedade. Com mais ou menos liberdade para tal ou qual grupo social, levando em conta que há conflitos entre os interesses de diferentes indivíduos e de grupos dentro de nossas sociedades cada vez mais complexa. E obviamente são os interesses dos mais poderosos economicamente que são favorecidos contra os interesses dos demais. Nesse contexto há diferentes entendimentos sobre o que seja “anarquismo”, alguns mais desligados da realidade, outros um pouco menos. Ser “contra o governo” é algo abstrato, é lutar contra algo muito geral. É identificar uma contradição entre sociedade e governo e se bater contra uma quimera. Governos não se opõem a toda à sociedade, governos representam interesses de uma parte da sociedade contra as demais parcelas. Os anarquistas que pregam que o mal é o governo sem se aterem que na sociedade moderna o governo se da pelos mais ricos contra os demais cometem erro grave. Um caso a parte são os que chegam às raias do delírio afirmando que o governo é fruto de uma conspiração dos pobres para saquear os ricos através de impostos... Citam autores como Mises e Ayn Rand para justificar suas crenças... Para eles governos intransigentemente contrários aos interesses dos trabalhadores, como foram os de Thatcher na Inglaterra e Reagan nos EUA são libertários pois tentam reverter a exploração dos mais ricos pelos mais pobres... E por aí vai.