Total de visualizações de página

terça-feira, 23 de julho de 2013

Sentimentalismos e realidade social

Para muitos, o estudo das sociedades, dos seus problemas intrínsecos como a miséria e a injustiça e a solução deles não pode se dar sem "paixão", interesse, vontade, amor... E como não poderia deixar de ser, tb o ódio aparece como componente desse estudo. Mas não se pode abrir mão da objetividade nessa empreitada, e sentimentalismos costumam causar confusão entre a vontade e a realidade. É necessário evitar a subjetividade na construção do conhecimento, sob o risco de nos tornarmos reféns de nossas crenças concebidas por sentimentalismos e não por evidências.

É justificável que pessoas críticas tenham uma visão pautada pela repulsa e pelo ódio a países que abusem de seu poder econômico e bélico sobre nações mais fracas. Atualmente e já há várias décadas são os EUA a nação que mais comete esse tipo de abuso.

A agressividade dos EUA vem de longo tempo. Conquistou sua independência no século XVIII por meio de uma guerra contra a Inglaterra, nada menos que o mais poderoso império da época. Ampliou seu território em parte devido a ações militares contra outros países como o México e tb ao massacre contra populações nativas da América do Norte. 


Consolidou sua dominação mundial graças a duas guerras mundiais. Tem bases militares pelo mundo todo. E suas tropas se encontram constantemente em ações agressivas em especial para garantir o domínio de poços de petróleo. É a nação com uma das classes sociais dominantes mais beligerantes de todos os tempos.

Mas o Brasil tb já aprontou das suas. Se os EUA disfarçam sua agressividade por meio da “defesa da liberdade” nosso país tido como pacífico destruiu o Paraguai e tomou o Acre da Bolívia (isso só para ficar em dois exemplos). 


É comum ouvir que foi “a Inglaterra que promoveu a guerra” induzindo o Brasil e aliados contra o Paraguai, e que a Bolívia "não tinha interesse no Acre". Desculpas tão esfarrapadas quanto as dadas pelos EUA para invadir o Iraque recentemente ou para tomar a porção norte do México no século retrasado... 

A recusa em ver fatos históricos que não gostamos, como nosso passado agressivo, é confirmação de que tendemos a defender nossas crenças mesmo quando elas não se sustentam. Odiamos as ações imperialistas dos outros, mas tendemos a desculpar as nossas. Isso ocorre em todas as culturas, em todos os países. É próprio de nós seres humanos. 

É assim aqui, é assim nos EUA, China, Europa e em todo lugar. A troca da objetividade pela crença no que gostamos e a repulsa e a descrença no que não gostamos, mesmo que seja algo verdadeiro

Atualmente há uma orientação menos agressiva no governo brasileiro. Não invadimos a Bolívia e nem tomamos atitudes mais duras contra o Paraguai nos recentes episódios envolvendo petróleo e geração de energia elétrica. Atualmente “não falamos grosso com os pequeninos e nem fino com os EUA”, segundo Chico Buarque. E mesmo o atual governo democrata dos EUA é um pouco menos serviçal à indústria bélica do que os republicanos. 


Mas é verdadeiro que são realmente inúmeros os exemplos de ações do governo dos EUA derrubando governos populares e instaurando ditaduras aliadas a si. 

O caso mais emblemático talvez seja o do Irã. Nos ano 50 derrubaram o governo nacionalista do país e empossaram o Xá Reza Pahlavi para poderem controlar o acesso ao petróleo. Em 79, após derrubarem a ditadura os iranianos adotaram um governo de fanáticos religiosos. É a burrice gananciosa dos EUA incentivando a irracionalidade mundo afora... 

Tivesse o governo brasileiro tomado atitude semelhante com a Bolívia em 2006 ao invés de abrir negociação, teríamos um conflito regional onde só foi necessário usar a cabeça ao invés de canhões...

Governos e classes dominantes não definem um país. Se há justificativa para o ódio contra as atitudes desumanas dos EUA, que sejam atribuídas a quem de direito (ou, nesse caso, de direita, se me permitem um trocadilho) e não a todo o povo daquele país. Senão o conceito de luta de classes, tão caro à esquerda, poderá ser jogado pela janela. Não consta que o lema “proletários de todo o mundo, uni vos” seja seletivo... Confundir as ações de uma classe social com as atitudes de toda uma nação não é nada eficaz em qualquer aspecto da luta social.

E ainda mais. O ódio irracional como o que motivou os atentados religiosos de 11 de setembro apenas serve para agravar a situação. Os fanáticos da Al-Qaeda fizeram foi um favor ao governo da direita rançosa de Bush. Com seu ato insano Bin Laden depositou nas mãos dos republicanos todas as justificativas que queriam para fazer o pretendiam. Ampliar as ações de ocupação militar em pontos estratégicos para a indústria petroleira.

A esquerda surgiu em grande parte da tentativa de entender a realidade social de forma racional, deve então recusar irracionalismos. É com grande preocupação que vejo essa mesma esquerda acreditando em “teorias da conspiração”. Alguns dizem que foi o próprio governo dos EUA que promoveram os atentados. Baseiam-se em suposições sem fundamento. Acreditam sem evidencia real, preferem não ver que erros também são cometidos por quem luta contra a dominação.

O ódio ao imperialismo se torna vontade de acreditar em tudo o que vá contra o imperialismo, mesmo que nesse tudo existam coisas sem comprovação. E definitivamente apoiar ações baseadas em fanatismo religioso é contraproducente. O dito popular “o inimigo de meu inimigo é meu amigo” nem sempre é válido. As parcelas da esquerda que vêm com bons olhos atitudes como essas devem repensar urgentemente sua postura em relação a meios para se alcançar os fins e principalmente tentar pautarem-se por algo que não seja simples crença emotiva e sem fundamento.



quarta-feira, 3 de julho de 2013

Irracionalidade e julgamento

É comum que as pessoas reclamem que a justiça seja muito branda com criminosos, e isso quase sempre ocorre quando reclamam de crimes cometidos por membros de camadas sociais marginalizadas. Crimes típicos de classes sociais elevadas não são alvo de reclamações desse tipo, ao menos não com a mesma veemência. Vemos nesses noticiários policiais de rádio e TV fascistoides o apresentador exigir pena de morte para rico com a mesma freqüência que exige para pobre? 

O direito moderno, com todas as suas falhas foi construído a partir da crítica do irracionalismo que permeava os julgamentos feitos no passado. Antes dele, que tenta assegurar ao acusado o direito de defesa, havia praticas tais como a da Europa de poucos séculos atrás, onde o acusado já era considerado culpado de antemão e era torturado para que confessasse. Simples assim. E não eram apenas crimes contra a fé. Não era um costume exclusivo da Igreja Católica, era o comum da época. Qualquer criminoso tinha esse tratamento, a não ser os poderosos é claro. Mas não era apenas o governante que tinha o poder de condenar quem bem entendesse, e é a esse ponto que quero me ater. A população assustada com suas próprias crendices tb cometia atos irracionais com suas próprias mãos por meio de linchamentos. Ou até mesmo convencia o governante a condenar um acusado sem prova alguma... Judeus eram condenados por tribunais organizados pela Igreja em concluio com o Estado em países católicos. “Bruxas” foram, na prática, linchadas pela população assustada e irracional, em especial nos países protestantes. 

Os fatos ocorridos em Salém, nos atuais EUA no século XVII, onde pessoas foram mortas sob acusação de bruxaria, acusações feitas por crianças, são apenas um exemplo famoso do que uma comunidade pode fazer ao se sentir assustada e não contar com meios racionais de frear a insanidade que advêm do medo e da raiva. O direito moderno é um desses meios de frear a insanidade coletiva induzida pelo medo. Ele tenta ser racional, daí ter a oposição da irracionalidade que surge em momentos de medo e raiva, onde queremos soluções imediatas e mesmo mágicas para problemas reais... 

Momentos em que líderes demagogos se consolidam, momentos em que a mídia aumenta ainda mais o clima de medo, pois isso aumenta vendas e lucros... Momentos em que toda sorte de oportunistas surgem com soluções enganosas para tudo por meio de livros de auto-ajuda, panaceias pseudo medicinais, maior agressividade da policia contra a população mais pobre. E pior, momento em que lideranças políticas inventam um inimigo interno onipresente mas oculto (judeus, comunistas, terroristas, sabotadores, espiões). A classe dominante alemã dos anos 30 amedrontada com a revolução russa disseminou esse medo a toda a população alemã que apoiou o nazismo... A população dos EUA com medo do terrorismo apoiou o governo de G. Bush. 

A população brasileira com medo condenou os responsáveis pela escola base, uma condenação sem provas que depois se mostrou sem razão, pura invenção de crianças, tal qual no já citado caso das bruxas de Salém nos EUA. Recentemente um incêndio em uma casa noturna, frequentada por jovens de classe média, fez autoridades fecharem casas noturnas por todo o país (há cidades em que o fechamento ocorreu em todas as casas) devido à pressão da opinião pública induzida pela crença irracional de que todos estavam correndo os mesmos riscos. Fosse um baile funk da periferia do Rio é duvidoso que o resultado fosse o mesmo.

A irracionalidade é fruto do medo e da raiva. Sendo que "o sono da razão produz monstros" são esses sentimentos o seu melhor sonífero.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Irracionalidade e auto preservação

“Não acreditava naquelas invencionices sobre o que pode acontecer se despertarmos um sonâmbulo. Diziam que a alma fugiria do corpo e que isso poderia resultar em loucura, ou até mesmo em morte súbita, mas Charity tinha bom senso suficiente para saber que quando se desperta um sonâmbulo ele logo acorda em seu estado normal. De qualquer modo, ela nunca chegara a despertar o filho durante as crises anteriores e não faria isso agora.O bom senso era uma coisa, mas o seu pavor irracional era outra e ela sentia-se dominada pelo medo, sem saber como explicar aquilo.”
Stephen King, Cujo.

Sentimentos de auto preservação, em especial o medo, são uma boa adaptação evolutiva, pois possibilitam maior sobrevivência, pois nos livram de perigos. Sentimos medo de coisas reais e irreais, pois não somos muito eficientes em distinguir entre ambas. 

A raiva e medo são muito primitivos. Existem há muito tempo na história evolutiva, em cérebros de animais bem menos sofisticados que o nosso. E em nós seres humanos eles são gerados da mesma forma que nesses outros animais, de forma irracional. Há uma discrepância entre essa parcela primitiva de nosso cérebro geradora de sentimentos, e a parcela recente, responsável pela consciência e funções superiores. Ninguém, por mais racional que se acredite “para pra refletir sobre algo” quando está realmente com medo ou raiva. A reação é instintiva, de fuga ou defesa. É que a evolução se da assim mesmo, seres vivos são como “colchas de retalho” aonde partes vão surgindo e sendo integradas à medida que são úteis a sobrevivência e a reprodução. 

Nesse sentido não é correto afirmar que razão e emoção formam um conjunto harmônico que forma nosso ser como afirmam algumas corretes de pensamento alheias a realidade. Não há harmonia alguma e sim conflito entre coisas diferentes que tem que trabalhar juntas na luta pela sobrevivência... E aí surgem problemas que em geral são mal compreendidos e resultam em noções tolas e atitudes ainda piores. 

O medo e a raiva podem ser manipulados por lideranças políticas e religiosas para anular o senso crítico das pessoas e convencê-las a agirem “em bando” de acordo com os interesses de quem as manipula. Isso ficou visível recentemente no governo de G. Bush nos EUA, usando o terrorismo para saquear o oriente médio... Mas há casos menos evidentes que passaremos a analisar. 

Imagine milhões de reais sendo desviados da saúde. Quantas pessoas irão sofrer e morrer vítimas da falta de profissionais, leitos hospitalares, medicamentos e procedimentos cirúrgicos? Centenas? Milhares? Qual a pena que a sociedade irá pedir para os responsáveis? Que não fiquem impunes, que sejam levados para a cadeia e pronto esqueçam a história... 

Agora imagine que adolescentes da periferia de um grande centro invadam a casa de um idoso, espanque-o e mate-o... Qual será a reação da sociedade? Possivelmente irá apoiar medidas tais como redução da maioridade penal e pena de morte. Pessoas em comentários particulares irão defender que a policia invada a favela e mate mesmo esses marginais... E isso sem nem saber se os tais adolescentes são mesmo moradores de favela... O que torna diferente o comportamento da sociedade frente a esses dois crimes são exatamente o medo e a raiva. Eles nos fazem dar uma ênfase enorme a um crime explicitamente violento, mas não nos alertam sobre outro cuja violência é velada, mas que atinge um numero enorme de pessoas... É irracional. 

Pessoas tendem a seguir facilmente os procedimentos de costume do grupo em que vivem... Nos casos descritos, os corruptos que deviam verbas são empresários e funcionários públicos que ocupam altos cargos, pessoas ricas, acima dos comuns mortais. Fazem parte da parcela dominante da sociedade... Seus atos não despertam a raiva no mesmo nível da que despertam jovens de periferia, por vários motivos, mas quase todos irracionais. 

Os preconceitos dão as cartas quando as pessoas estão assustadas e com raiva.