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domingo, 21 de abril de 2013

A exportação de seitas pelos EUA e a vontade de acreditar

A crença em civilizações perdidas nos EUA rendeu a criação da Igreja dos santos dos últimos dias, os “mórmons”, na primeira metade do século XIX. Nenhuma evidencia é apresentada sobre as supostas civilizações. Seu fundador, o norte americano Joseph Smith Jr. afirmava ter conversado diretamente com Deus e Jesus. Anos depois teria sido guiado por um anjo para encontrar tábuas de ouro onde estariam gravadas as inscrições do livro de Mórmon, que se tornaria sagrado para a seita. Após traduzir as tabuas elas teria sido envidas ao céu e não puderam ser apresentadas aos demais... 

Uma óbvia obra de ficção plagiada de trechos do Velho Testamento com pitadas de literatura pseudo-histórica fundamenta uma seita com seguidores em quase todo o mundo. Isso lhe parece absurdo demais? Continue lendo. 

Nos anos 50 do século passado a crença em “aliens” forjou a criação da cientologia pelo o escritor de ficção cientifica e fantasia L. Ron Hubbard. Há 75 milhões de anos atrás um líder intergaláctico chamado Xenu condenou bilhões de extraterrestres à morte. Foram despachados para a Terra e mortos com bombas nucleares dentro de vulcões... Suas almas ou algo do tipo provocam os males que afligem aos humanos até hoje... Ou são os próprios seres humanos reencarnados... Ou qualquer coisa assim... Mas isso é um segredo ao qual apenas os iniciados na cientologia tem acesso... 

Armas nucleares e extermínio provocado por líderes cruéis, vejam só... A cientologia é uma paródia da Segunda Grande Guerra permeada de ficção científica e espiritismo, mas atores de Hollywood a seguem obstinadamente. Talvez por reproduzir fora dos estúdios as fantasias que vivem nas telonas. É fato que pessoas ricas quando se unem em sociedades fechadas e exclusivistas tendem a ficar ainda mais ricas. Mas há várias sociedades do tipo, portanto a escolha de algo como a cientologia por pessoas mentalmente sãs é caso para um estudo em separado. 

O pentecostalismo também nasceu nos EUA, assim como as testemunhas de Jeová, todos no século XIX... No século XX originou-se lá o pentecostalismo católico (renovação carismática)... Pentecostais acreditam que o Espírito Santo “dá o dom de falar em línguas estranhas”... O sujeito vocifera sons incompreensíveis para um punhado de pessoas reunidas fazendo orações individualmente de forma exacerbada, muitas aos gritos de “oh gloria”... Tudo ao mesmo tempo. A dúvida é qual a utilidade de se falar em uma língua a qual ninguém entende? Na bíblia o espirito santo daria o de de falar em línguas diferentes para que o pregador pudesse ser entendido por um publico estrangeiro...  Não é o que ocorre entre os pentecostais.

As seitas pentecostais no Brasil são mais conhecidas como igrejas evangélicas. Entre os mais pobres vem ocupando há décadas o espaço dos cultos de origem africana. Por isso são comuns as encenações grotescas de “retirada do capeta” do corpo do fiel em que geralmente o capeta é chamado por nomes de entidades da umbanda, em especial exu e sua “versão feminina”, a pomba-gira. 

Admiro realmente a capacidade dos norte americanos em fantasiar. Criam histórias fantásticas na literatura e no cinema. Pena que não consigam tão bem diferenciar seus delírios da realidade. Mas não é algo exclusivo desse país e sim fenômeno comum a nós seres humanos. Qualquer grupo de pessoas pode criar idéias desencontradas sobre a realidade e crer nelas. É devido, portanto, à sua influencia econômica, política e cultural que os EUA se tornaram os maiores exportadores de crenças esdrúxulas de todos os tempos, algo extremamente lamentável para uma nação fundada por notórios adeptos do iluminismo. 

Estou lendo “Os demônios descem do norte”. Livro escrito em meados dos anos 80 denunciando o incentivo do governo norte americano e de grandes grupos econômicos ao crescimento das seitas na América Latina para combater a influência comunista. O autor, Delcio M. de Lima é católico então a coisa fica quase sempre na briga entre grupos religiosos e não conta com um alto grau de objetividade. Por exemplo, critica alguns grupos protestantes tradicionais por “serem muito permeáveis à influência pentecostal”, mas defende a renovação carismática, que nada mais é do que o pentecostalismo dentro da Igreja. É o roto falando do esfarrapado... 

Em várias passagens fica próximo ao conspiracionismo barato, mas rende uma leitura interessante sobre a origem de algumas seitas de origem norte americana no Brasil, como a Assembléia de Deus, a Congregação Cristã no Brasil, os mórmons e as testemunhas de Jeová. Esses últimos curiosamente teriam sido perseguidos nos EUA por se recusarem a cumprir algumas obrigações legais. Mas a partir da Guerra Fria passariam a ser vistos com bons pelo governo dos EUA. Sua recusa em “se envolver com política” é útil em manter o povo afastado de ações reivindicatórias por seus direitos, para dizer o mínimo. É então inocentemente útil contra a esquerda.

Não é por acaso que duas crenças de origem norte americana, as Testemunhas de Jeová e o libertarianismo, vejam, cada um a seu modo, o governo como sendo o demônio... Isso é próprio do senso comum nos EUA. 

É fato que sob o domínio cultural dos EUA, grande parte do mundo tende a ter as mesmas ideais que nasceram lá... Mas vejo como conspiracionista a crença de que há um plano arquitetado pelo governo, pelos bancos e corporações desse país para financiar e incentivar o crescimento das seitas e com isso manter o povo alienado. A realidade pode ser bem pior. 

Seitas em grande parte financiam a si mesmas (em especial os evangélicos) e seu crescimento é majoritariamente espontâneo, pois conseguem atingir emocionalmente as pessoas. Ao afirmarem que uma vida sem envolvimento com métodos racionais é o ideal, apelam para o comodismo mental e conseguem convencer. Ao dizerem que não devemos cuidar de problemas sociais e sim apenas de nossos próprios interesses, incentivam o egoísmo, o que é valorizado por muitos de nós. Em todo momento apelam para o comodismo, o individualismo, o egoísmo e a preguiça mental. E muitos gostam disso. 

Talvez algumas recebam mesmo apoio material de governos ou grupos privados interessados em seu avanço. 

Para os conservadores um povo acomodado é o ideal, por isso as seitas têm no mínimo a simpatia da direita política, mas é questionável a existência de um "centro operacional" organizado para apoiar e financiar esses grupos... 

Seitas têm sucesso em iludir o povo com seus delírios porque o povo quer acreditar. E está disposto a pagar por isso. Não é força de expressão, o povo paga mesmo, seja em dízimo, seja em outras formas de contribuição e outros meios. De forma que a seitas listadas como mais diretamente ligadas aos EUA, como os mórmons, a seita Moon e as Testemunhas de Jeová não tem nem de longe o crescimento dos pentecostais. Esses, ao que ao que tudo indica tem seu enorme crescimento financiado com o dinheiro dos próprios fiéis e da corrupção não necessariamente ligada a grupos e governos estrangeiros. 

Já há tempos abandonaram a postura de “não envolvimento com governos”. Elegem políticos e se metem a criar leis inspiradas em seu credo anacrônico. É questionável que a “neopentecostal” Universal do Reino de Deus seja financiada por governos ou grupos estrangeiros. Ao contrário é prova de que brasileiros estão aprendendo a utilizar as artimanhas importadas e adaptá-las ao nosso contexto social. 

As pessoas ao aceitarem uma crença tendem a defendê-la, e isso torna muito difícil mudar seu modo de pensar. E ser preguiçosamente acomodado é prazeroso para muitos. Caso existisse um complô urdido em surdina para controlar a mente das pessoas, ora, seria necessário apenas desbaratar essa trama, mas não é tão simples a realidade. Há muito de espontâneo nisso tudo. 

Os europeus que fizeram os indígenas trocarem seus deuses pelo deus cristão acreditavam mesmo nesse deus, não visavam apenas a busca por riqueza, apesar de obviamente ser esse um fator importantíssimo. E os indígenas em parte aceitaram os novos costumes pensando em obter vantagens. A visão que divide a realidade entre o bem e o mal é infantil e tola. Do mesmo modo os que exportam crenças “made in America” em parte acreditam mesmo em seus delírios, mas com doses de cinismo necessário para justificar tanta incoerência com o que pregam e o que fazem. 

O povo aceita essas crenças pois acredita nas supostas vantagens. Modernamente os pentecostais não mais acenam apenas com uma vida feliz após a morte. Afirmam categoricamente que aquele que aceitar Jesus vai enriquecer... É o casamento dos sonhos dos dominados com os interesses dos dominantes que torna tudo muito mais complexo do que imaginam muitos de nossos intelectuais de esquerda. 

A visão socialmente crítica que ainda prevalece tende a ser romanceada. Acredita-se que o povo é uma pobre vítima indefesa do maligno julgo opressor da burguesia internacional e que será libertado por uma pequena parcela pensante e atuante, organizada em um partido de vanguarda... Ou qualquer coisa do tipo. De outro lado há a visão também crítica, mas mal humorada em que o povo é cúmplice de sua própria desgraça. 

É como um conjunto de pessoas que se encontram presas a linguiças por terem escolhido serem vegetarianas... Por meu próprio temperamento tendo a me identificar mais com essa visão do que com a romântica, mas não sou tão cínico. Penso que as pessoas nessa perspectiva não escolheram livremente o vegetarianismo, foram iludidas para tanto... Mas de qualquer forma continuam amarradas. 

sábado, 6 de abril de 2013

A dúvida, o dogma, o ateísmo, a credulidade, o agnosticismo e o ceticismo

Duvidar é expressão quase sempre usada como sinônimo de “acreditar que não existe”. É um tanto contraditório não é mesmo? Mas não deveria ser assim. 

Duvidar deveria ser entendida como a busca por evidências para se poder acreditar ou não. Duvidar deveria ser uma atitude de bom senso. Já a crença cega, o dogma, deveria ser considerado um péssimo hábito. Muitas vezes quando alguém diz “duvido” está expressando uma crença! 

"Eu duvido que tenha ocorrido a aniquilação intencional e planejada de milhões de indivíduos, judeus em maioria, pelo governo alemão nos anos 40."

Essa dúvida se baseia na negação de fatos recentes e bem documentados. Então não é uma dúvida real e sim um disfarce para uma crença dogmática. Simplesmente não se quer ver a existência das atrocidades nazistas e para isso nega-se as evidências. Então trata-se de dogma, de crença cega, de vontade irracional de acreditar. É tomar partido de algo sem se importar com comprovação.

Dogma é a crença que justifica a si mesmo, que é tida como verdade sem a necessidade de comprovação. Isso é própria da religião, mas embora disfarçada ocorre de forma comum e não raramente nefasta na política. 

Sim palavras são traiçoeiras. Enganam-nos com seus significados vagos ou imprecisos, com seu uso fora de contexto e de várias outras formas. Difícil encontrar objetividade em palavras em geral. Mas nas que são usadas em discussões e nas que representam realidades as quais não estamos contextualizados é que há ainda maior risco de equívocos. 

Tomemos a palavra ateísmo. É tida como “palavra de significado geral”. Seu uso é amplo, mas seu sentido verdadeiro é restrito. É a prática de se negar a existência de Deus, ou dos deuses. Não é muita coisa. Há inúmeras criaturas imaginárias que não são deuses. 

Alguns ateus acreditam em visitantes alienígenas, em criaturas fantásticas, espíritos e tantos outros seres sem evidencia de existência. 

Muitos são místicos e crédulos nas pseudociências, acreditam em pensamento positivo, energia da mente, poderes paranormais... Alguns, no entanto, são céticos em outros campos do conhecimento além da crença em deuses. 

Há uma enorme confusão entre esses dois termos, ateísmo e ceticismo. Mas uma pessoa pode chegar ao ateísmo de varias formas, sendo uma delas o ceticismo. Sujeito pode crer em outras bobagens, mas se não crer em Deus ou nos deuses será um ateu. 

É obvio que em geral ateus são também mais críticos em relação a todas essas crenças que mencionei. Duvidam dos deuses e tendem a também duvidar de outras criações da fantasia. Mas então não são simplesmente ateus, e sim ateus com um bom nível de ceticismo em geral. 

A confusão já apontada se baseia em grande parte na crença de que ateísmo seja termo de uso geral, mas não é o caso. Céticos duvidam “no geral”, ateus duvidam de deuses. Assim ateísmo é o ceticismo dirigido a um aspecto particular da crença, a existência de deuses. 

Já alguém que duvide que seja possível que o intelecto humano conheça a essência de Deus é um agnóstico. Note então que agnósticos não são ateus. Não duvidam da existência de Deus, apenas afirmam que é impossível conhecê-lo, ou entendê-lo. Mas essa palavra também tem outros sentidos. 

Todos os que duvidam que o intelecto humano possa conhecer realmente o universo são tidos como agnósticos. Sempre haverá, segundo eles, apenas a ilusão do conhecimento, pois existiria um impedimento absoluto quanto ao conhecimento mais profundo da realidade. 

Esse “sentido geral” do agnosticismo é na verdade o ceticismo mal utilizado. Duvidar de tudo é algo infértil. Se duvidássemos de tudo não teríamos produzido toda essa enorme gama de conhecimento. Duvidar de tudo é tão equivocado quanto acreditar em tudo. O critério para se duvidar ou acreditar então se faz necessário. 

"Duvidar mais quando se dispuser de menos evidências e menos quando houver mais evidencias. E sempre manter a desconfiança." 

Usar o conhecimento sempre com atenção, pois pode haver enganos, pode ser necessário reconstruí-lo, repensar e replanejar... Isso não significa que seja impossível o conhecimento, e sim que ele é inesgotável. Não há um muro que nos impeça de prosseguir e sim uma estrada infinita a percorrer. São construções metafóricas bem diferentes não? 

De forma imprecisa todas as palavras discutidas acima são implicadas na contradição entre a credulidade e o ceticismo. Ninguém duvida de tudo, ninguém acredita em tudo. São posições extremas e impossíveis de se alcançar. 

Um problema de grande importância sobre crer ou não é que somos péssimos para detectar embustes. Acreditamos mais que duvidamos, e cremos no que a cultura dominante nos diz ser verdadeiro. 

Sem ter meios objetivos para se determinar o que é ou não real tendemos a confiar em afirmações feitas por figuras de autoridade ou no que todos acreditam. Mas a realidade não curva aos ditames de uma pessoa ou de uma multidão delas... 

Ou então simplesmente inventamos explicações para justificar nossas crenças. Os que acreditam que sonhos 
preveem o futuro adoram citar exemplos de pessoas que não embarcaram em aviões que caíram devido a sonharem com o acidente. 

Ora, milhões de pessoas viajam de avião pelo mundo e muitas sonham com sua queda antes de embarcar. Na quase totalidade dos casos nada ocorre. Mas quando há uma coincidência, pronto... As pessoas a vêem como comprovação de sua crença. 

Nesse texto, ceticismo não é a dúvida dogmática, ou a crença na incapacidade de se conhecer algo. É a busca por comprovações, evidências e explicações reais mesmo que não nos agradem. É não submeter a realidade ao que esperamos dela e sim nos atermos a ela para podermos desvendá-la. 

Atitudes baseadas na comprovação da realidade fundamentam a ciência moderna, o conhecimento objetivo. Se podemos voar hoje em dia em aviões não é porque a atração gravitacional não exista e sim porque conhecemos meios de sobrepujá-la. A simples vontade de voar não bastou para se conseguir. A vontade teve que se submeter ao conhecimento e não se confundir com ele. 

Mas não é o que ocorre na maioria dos casos. 

Pessoas em geral, mesmo as que se consideram céticas, acreditam mais por vontade e não por comprovação. Nem toda crença sem evidencia é falsa, mas se não tem comprovação devemos ficar atentos. E mesmo as evidencias devem ser verificadas, pois pode haver engano. 

Por fim a busca pela verdade é algo continuo e de difícil execução, mas que torna eficazes nossos atos e possibilita nossas conquistas. Em Carl Sagan temos que nas ciências o ceticismo nunca vem só. Há o casamento deste com a admiração. É o querer saber, por que saber é maravilhoso. Mas sem se deixar iludir. 

Querer saber não se confunde com querer acreditar. Ele mesmo diz que tem saudades dos pais falecidos e adoraria poder se comunicar com eles de alguma forma. Mas nem por isso está disposto a aceitar afirmações de médiuns sobre a comunicação com mortos se eles não podem fornecer evidencias reais sobre o assunto. Um número enorme de pessoas é enganado dessa forma, e não importa se é com boa intenção que alguns médiuns fazem isso. O fato é que as fraudes ocorrem. E fraudes devem ser desmascaradas. 

De forma bem humorada Sagan diz também que todos usam de ceticismo quando vão comprar um carro usado. Querem comprovar tudo o que o vendedor diz, pois temem ser enganados. Mas infelizmente não adotamos essa mesma atitude mais constantemente, nem mesmo em outras situações muito mais sérias e que terão enorme influencia sobre a nossa própria vida e mesmo sobre os rumos da sociedade. Sendo crédulos estamos fadados a cometer erros grosseiros de interpretação. Somos facilmente enganados. 

Acontece também da crença ser devido a esperança. E esperança pode ser a única coisa que nos resta frente a uma doença incurável ou outras situações sem solução. É uma esperança ilusória se apegar a milagres e curas espirituais. Mas as vezes é só o que há. É um caso delicado e precisa ser tratado com cuidado. 

Mas se deixarmos a credulidade livre por qualquer motivo que seja, tornaremos mais difícil a descoberta de meios reais de cura de doenças e de solução de problemas em geral. Pessoas as quais só resta a esperança ilusória na religião, no misticismo e na pseudo ciência merecem consideração e respeito à sua dor, mas isso não pode ser usado como justificativa para que o desconhecimento sobre a realidade seja a norma. 

E de qualquer forma, mesmo quando é a ciência que cura, a maioria prefere crer que foi por obra e graça de sua divindade de devoção. “Caso não se tenha fé não adianta dez anos de quimioterapia”, ouvi certa vez. Mas isso é falso. Quando não havia quimioterapia não dava tempo de ter dez anos de fé.