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sábado, 6 de abril de 2013

A dúvida, o dogma, o ateísmo, a credulidade, o agnosticismo e o ceticismo

Duvidar é expressão quase sempre usada como sinônimo de “acreditar que não existe”. É um tanto contraditório não é mesmo? Mas não deveria ser assim. 

Duvidar deveria ser entendida como a busca por evidências para se poder acreditar ou não. Duvidar deveria ser uma atitude de bom senso. Já a crença cega, o dogma, deveria ser considerado um péssimo hábito. Muitas vezes quando alguém diz “duvido” está expressando uma crença! 

"Eu duvido que tenha ocorrido a aniquilação intencional e planejada de milhões de indivíduos, judeus em maioria, pelo governo alemão nos anos 40."

Essa dúvida se baseia na negação de fatos recentes e bem documentados. Então não é uma dúvida real e sim um disfarce para uma crença dogmática. Simplesmente não se quer ver a existência das atrocidades nazistas e para isso nega-se as evidências. Então trata-se de dogma, de crença cega, de vontade irracional de acreditar. É tomar partido de algo sem se importar com comprovação.

Dogma é a crença que justifica a si mesmo, que é tida como verdade sem a necessidade de comprovação. Isso é própria da religião, mas embora disfarçada ocorre de forma comum e não raramente nefasta na política. 

Sim palavras são traiçoeiras. Enganam-nos com seus significados vagos ou imprecisos, com seu uso fora de contexto e de várias outras formas. Difícil encontrar objetividade em palavras em geral. Mas nas que são usadas em discussões e nas que representam realidades as quais não estamos contextualizados é que há ainda maior risco de equívocos. 

Tomemos a palavra ateísmo. É tida como “palavra de significado geral”. Seu uso é amplo, mas seu sentido verdadeiro é restrito. É a prática de se negar a existência de Deus, ou dos deuses. Não é muita coisa. Há inúmeras criaturas imaginárias que não são deuses. 

Alguns ateus acreditam em visitantes alienígenas, em criaturas fantásticas, espíritos e tantos outros seres sem evidencia de existência. 

Muitos são místicos e crédulos nas pseudociências, acreditam em pensamento positivo, energia da mente, poderes paranormais... Alguns, no entanto, são céticos em outros campos do conhecimento além da crença em deuses. 

Há uma enorme confusão entre esses dois termos, ateísmo e ceticismo. Mas uma pessoa pode chegar ao ateísmo de varias formas, sendo uma delas o ceticismo. Sujeito pode crer em outras bobagens, mas se não crer em Deus ou nos deuses será um ateu. 

É obvio que em geral ateus são também mais críticos em relação a todas essas crenças que mencionei. Duvidam dos deuses e tendem a também duvidar de outras criações da fantasia. Mas então não são simplesmente ateus, e sim ateus com um bom nível de ceticismo em geral. 

A confusão já apontada se baseia em grande parte na crença de que ateísmo seja termo de uso geral, mas não é o caso. Céticos duvidam “no geral”, ateus duvidam de deuses. Assim ateísmo é o ceticismo dirigido a um aspecto particular da crença, a existência de deuses. 

Já alguém que duvide que seja possível que o intelecto humano conheça a essência de Deus é um agnóstico. Note então que agnósticos não são ateus. Não duvidam da existência de Deus, apenas afirmam que é impossível conhecê-lo, ou entendê-lo. Mas essa palavra também tem outros sentidos. 

Todos os que duvidam que o intelecto humano possa conhecer realmente o universo são tidos como agnósticos. Sempre haverá, segundo eles, apenas a ilusão do conhecimento, pois existiria um impedimento absoluto quanto ao conhecimento mais profundo da realidade. 

Esse “sentido geral” do agnosticismo é na verdade o ceticismo mal utilizado. Duvidar de tudo é algo infértil. Se duvidássemos de tudo não teríamos produzido toda essa enorme gama de conhecimento. Duvidar de tudo é tão equivocado quanto acreditar em tudo. O critério para se duvidar ou acreditar então se faz necessário. 

"Duvidar mais quando se dispuser de menos evidências e menos quando houver mais evidencias. E sempre manter a desconfiança." 

Usar o conhecimento sempre com atenção, pois pode haver enganos, pode ser necessário reconstruí-lo, repensar e replanejar... Isso não significa que seja impossível o conhecimento, e sim que ele é inesgotável. Não há um muro que nos impeça de prosseguir e sim uma estrada infinita a percorrer. São construções metafóricas bem diferentes não? 

De forma imprecisa todas as palavras discutidas acima são implicadas na contradição entre a credulidade e o ceticismo. Ninguém duvida de tudo, ninguém acredita em tudo. São posições extremas e impossíveis de se alcançar. 

Um problema de grande importância sobre crer ou não é que somos péssimos para detectar embustes. Acreditamos mais que duvidamos, e cremos no que a cultura dominante nos diz ser verdadeiro. 

Sem ter meios objetivos para se determinar o que é ou não real tendemos a confiar em afirmações feitas por figuras de autoridade ou no que todos acreditam. Mas a realidade não curva aos ditames de uma pessoa ou de uma multidão delas... 

Ou então simplesmente inventamos explicações para justificar nossas crenças. Os que acreditam que sonhos 
preveem o futuro adoram citar exemplos de pessoas que não embarcaram em aviões que caíram devido a sonharem com o acidente. 

Ora, milhões de pessoas viajam de avião pelo mundo e muitas sonham com sua queda antes de embarcar. Na quase totalidade dos casos nada ocorre. Mas quando há uma coincidência, pronto... As pessoas a vêem como comprovação de sua crença. 

Nesse texto, ceticismo não é a dúvida dogmática, ou a crença na incapacidade de se conhecer algo. É a busca por comprovações, evidências e explicações reais mesmo que não nos agradem. É não submeter a realidade ao que esperamos dela e sim nos atermos a ela para podermos desvendá-la. 

Atitudes baseadas na comprovação da realidade fundamentam a ciência moderna, o conhecimento objetivo. Se podemos voar hoje em dia em aviões não é porque a atração gravitacional não exista e sim porque conhecemos meios de sobrepujá-la. A simples vontade de voar não bastou para se conseguir. A vontade teve que se submeter ao conhecimento e não se confundir com ele. 

Mas não é o que ocorre na maioria dos casos. 

Pessoas em geral, mesmo as que se consideram céticas, acreditam mais por vontade e não por comprovação. Nem toda crença sem evidencia é falsa, mas se não tem comprovação devemos ficar atentos. E mesmo as evidencias devem ser verificadas, pois pode haver engano. 

Por fim a busca pela verdade é algo continuo e de difícil execução, mas que torna eficazes nossos atos e possibilita nossas conquistas. Em Carl Sagan temos que nas ciências o ceticismo nunca vem só. Há o casamento deste com a admiração. É o querer saber, por que saber é maravilhoso. Mas sem se deixar iludir. 

Querer saber não se confunde com querer acreditar. Ele mesmo diz que tem saudades dos pais falecidos e adoraria poder se comunicar com eles de alguma forma. Mas nem por isso está disposto a aceitar afirmações de médiuns sobre a comunicação com mortos se eles não podem fornecer evidencias reais sobre o assunto. Um número enorme de pessoas é enganado dessa forma, e não importa se é com boa intenção que alguns médiuns fazem isso. O fato é que as fraudes ocorrem. E fraudes devem ser desmascaradas. 

De forma bem humorada Sagan diz também que todos usam de ceticismo quando vão comprar um carro usado. Querem comprovar tudo o que o vendedor diz, pois temem ser enganados. Mas infelizmente não adotamos essa mesma atitude mais constantemente, nem mesmo em outras situações muito mais sérias e que terão enorme influencia sobre a nossa própria vida e mesmo sobre os rumos da sociedade. Sendo crédulos estamos fadados a cometer erros grosseiros de interpretação. Somos facilmente enganados. 

Acontece também da crença ser devido a esperança. E esperança pode ser a única coisa que nos resta frente a uma doença incurável ou outras situações sem solução. É uma esperança ilusória se apegar a milagres e curas espirituais. Mas as vezes é só o que há. É um caso delicado e precisa ser tratado com cuidado. 

Mas se deixarmos a credulidade livre por qualquer motivo que seja, tornaremos mais difícil a descoberta de meios reais de cura de doenças e de solução de problemas em geral. Pessoas as quais só resta a esperança ilusória na religião, no misticismo e na pseudo ciência merecem consideração e respeito à sua dor, mas isso não pode ser usado como justificativa para que o desconhecimento sobre a realidade seja a norma. 

E de qualquer forma, mesmo quando é a ciência que cura, a maioria prefere crer que foi por obra e graça de sua divindade de devoção. “Caso não se tenha fé não adianta dez anos de quimioterapia”, ouvi certa vez. Mas isso é falso. Quando não havia quimioterapia não dava tempo de ter dez anos de fé.

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