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sábado, 28 de setembro de 2013

Crítica da Razão Pura

Adoramos explicações. Seduzimos-nos com uma exposição bem feita, organizada e clara de idéias sobre assuntos de nosso interesse. Tb temos nossa atenção despertada quando somos atingidos por uma explicação coerente com o que pensamos. Somos convencidos a agir e pensar de acordo com noções e hipóteses que nos são passadas constantemente por vários meios explicativos, desde as conversas informais entre conhecidos às instruções dadas em instituições de ensino e informações nos veículos tais como jornais, estações de rádio, canais de TV e a web. 

Pensadores do passado e atuais tecem enormes explicações sobre a vida, o universo e tudo o mais. Somos fanáticos por conhecimento, obcecados por significados que o mundo possa ter. Somos racionais e esse termo se traduz como o grande separador do mundo humano do mundo natural. Sermos racionais é o que nos separa do restante dos animais... 

Mas como varias outras afirmações taxativas essa esconde armadilhas que devemos não só evitar, mas tb desarmar. Ser racional não necessariamente significa que tentemos comprovar nossas idéias ou que nos esforcemos para isso e ainda mais, nossos instintos continuam ativos, eles não são desligados pela racionalidade... Não é raro que o contrário ocorra. 

Quando uma ideia  é aceita ela passa a ser vista por nós como verdadeira e buscamos apenas comprová-la. Recusamos tudo que nega que a explicação seja verdadeira. Esse é um modo de pensar e agir inato e universal de nossa espécie. Nesse sentido restrito implícito aqui, razão é o uso do pensamento para se conhecer de forma não necessariamente crítica. Mas o uso de um sentido mais amplo é o mais comum atualmente. Nele razão é entendida como o uso das faculdades mentais para conhecer a realidade através de investigação, análise, comparação e experimentos e com o uso do senso crítico. 



Mas não é nesse sentido amplo e moderno que o termo é usado por um dos maiores filósofos de todos os tempos, Immanuel Kant em “A crítica da razão pura”. Quando lia o titulo da obra eu ficava curioso, ora, uma critica da razão pura significava exatamente o que? O irracionalismo tb deve ser usado? Vamos fazer a razão deixar de ser pura misturando-a com superstições e suposições sem fundamento? Mas não é isso que Kant propõe. 



A "razão pura" criticada por Kant é a tentativa de se conhecer a realidade apenas por meio do pensamento, por meio de reflexão sobre os fenômenos que nos cercam, de observação superficial, sem experimentação, sem agirmos de fato sobre os objetos de conhecimento. É o que propõe Platão, o famoso filósofo da Grécia antiga. Para esse pensador o mundo que percebemos pelos sentidos é uma ilusão, segundo ele “vivemos numa caverna observando sombras”. 

O mundo real seria o mundo das idéias que projetam sua sombra na caverna onde nos encontramos. Vemos essas sobras e de nada adianta estudá-las e agirmos sobre elas serão sempre apenas isso, sombras e não a realidade. O mundo material é uma mera projeção imperfeita de uma ideia...Essa é uma noção equivocada sobre a realidade, a realidade é material e existe independente de idéias, e demonstra que o pensamento quando fica livra para agir sem se prender a realidade material não consegue distinguir entre realidade e fantasia. 

Para pensadores como Platão a ciência com todo o conhecimento que construiu e as praticas que possibilitou seria apenas ação sobre sombras e não conhecimento sobre a realidade... Essa noção já demolida em definitivo por Kant com argumentação filosófica a três séculos e comprovada na pratica em incontáveis experimentos desde então ainda continua na moda entre pensadores misticos e pós modernistas em sua totalidade e pseudocientíficos em geral.

Hoje estamos em boa parte tão familiarizados com noções de experiências práticas e cientificas que para a maioria de nós talvez seja difícil entender como se construía o conhecimento antes do século XVIII. Mas o fato é que o que Kant chama de razão pura é tb conhecido como idealismo filosófico, a noção de que a ideia é algo objetivo, cuja existência não depende de alguém para a pensar, é perfeita, imutável e o mundo que vemos é apenas um pálido reflexo dela. Para conhecermos então a realidade devemos conectar nosso pensamento com essa ideia objetiva e então aí sim teremos conhecimento... 

Assim explicações podem ser feitas, mas sem necessidade de comprovação prática, explicações sem base material, é isso que Kant brilhantemente faz ruir em sua obra, mas... O que ele propõe no lugar? Ao invés de explicações construídas mentalmente deveríamos então apenas fazer demonstrações praticas do que queremos que os demais vejam? Quero explicar como se constrói uma parede, então construo a parede para demonstrar como fazer... 

Não, Kant demoliu a “razão pura”, mas tb superou o empirismo, e inaugurou a ciência moderna. Depois dele toda a noção de que é possível se conhecer sem experimentar se tornou obtusa, mas uma vez conhecido algo por meio de evidencias e experimentação, as explicações ai sim podem ser feitas apenas com o uso da ideia. 



Não disponho de suficiente erudição para dar a verdadeira noção do alcance dessa revolução na forma de se construir o conhecimento, é por isso que uso de exemplos. A ciência moderna é a própria concretização dessa noção construída por Kant em todos os aspectos do real. Se soubermos que a matéria é constituída por partículas absurdamente pequenas e que tem características estranhíssimas não foi pq alguém apenas pensou sobre isso a partir do nada. Não é pq alguem viu algo assim numa bela tarde de verão... 


Racionalismo e empirismo, ideia e ação, ambos devem ser usados para se conhecer. A observação das citadas partículas não se dá facilmente, é por isso que se uma fortuna em euros na construção do LHC do CERN para se poder observá-las... Mas uma vez observado o comportamento de uma dessas partículas pode se deduzir com graus variados de certeza o comportamento das demais. Foi assim que inúmeras idéias acertadas sobre a realidade surgiram, por meio de comparação com o que já se conhecia. Depois com o avanço das técnicas de observação, o LHC por exemplo, essas idéias puderam ser testadas e demonstradas na pratica.


Não se trata da supremacia absoluta da experimentação, do empirismo. É um ciclo, uma alternância e superação entre ideia e comprovação. Em toda construção de conhecimento cientifico em geral se parte de uma hipótese, daí se procura fazer uma experimentação, onde se nega ou se confirma a hipótese no todo ou parcialmente. Dito de forma extremamente simplista, esse ciclo fundamenta a criação de teorias explicativas, que nos permitem entender a agir sobre a realidade. 

Se vc está lendo esse texto digital nesse momento foi pq no passado foram feitas teorias sobre eletromagnetismo que possibilitaram o uso da eletricidade e a conseqüente construção de eletrônicos como os computadores. Se alguém de sua família foi curado de uma doença de tratamento difícil no passado é pq a biologia e a química por meio de experimentação e construção de idéias baseadas na realidade desvendaram muito sobre o funcionamento de nosso corpo... 

E vc, que a cada gasto considerado muito grande na pesquisa cientifica se comporta histericamente contra, saiba que sem o CERN vc não estaria usando a web nesse momento.  Sem pesquisa espacial vc não teria seu cel e seu computador que  usa tanto para despejar criticas, muitas injustas e desencontradas à ciência que os criou. Para tantos parece que o uso de bolas de cristal por misticos no passado era tão ou mais eficaz quanto o uso de computadores na internet atualmente. 

Ha muito, muito mais para se conhecer. E o método em grande parte criado por Kant, a ciência moderna é o melhor já inventado até agora.

Sobre vespas e manipulações

Nesse momento, 16h e 14 minutos de 27 de setembro de 2013 no mesmo ambiente em que estou uma vespa leva para seu ninho de barro uma aranha que capturou e paralisou com seu veneno. Sabe ela que seus filhotes vão devorar a aranha ainda viva por dias e com isso sobreviver até poderem caçar sozinhos? Ou será que Deus em sua inteligência um tanto cruel contra aranhas criou as vespas com esse comportamento? 

Gostamos de pensar que há uma inteligência por trás de tudo pq inteligência é o que conhecemos para agir. Mas não há nada de conhecimento no comportamento da vespa e nenhuma inteligência divina a criou capaz de agir assim. Simplesmente as vespas que já nasciam com esse comportamento tiveram mais êxito em fazerem seus filhotes sobreviverem e terem mais filhotes... Todos com esse mesmo comportamento determinado pelos genes. Isso é seleção natural e nada tem de inteligente ou planejado. É sobrevivência e reprodução. 

Nós seres humanos tb somos assim, originados por seleção natural. Temos no entanto uma característica que a vespa não tem, a capacidade de planejar. Mas não devemos inverter as coisas, é a seleção natural que criou essa capacidade, ele não existe anteriormente a seleção natural. É erro se crer que há planejamento na origem e evolução das espécies, não há um deus planejador da existência e desenvolvimento das espécies... 

 Mas não somos pura consciência, puro planejamento. Tb agimos obedecendo instintos, tal como a vespa. Quando temos medo suamos frio, trememos e mesmo fugimos, sem refletirmos se o perigo é real ou não. Quando temos raiva atacamos, nem que seja apenas com palavras, sem nenhuma reflexão... 

Por mais politicamente corretas que tentem ser as mulheres tendem a rejeitar relacionamentos com homens mais baixos e com menos recursos econômicos que elas. Homens preferem as com quadris largos e cintura estreita. As mulheres cabides das passarelas são apenas um veiculo de publicidade para ateliers famosos ... Essas e muitas outras preferências sexuais inatas podem ser manipuladas pela moda e visando maiores lucros em cosméticos e acessórios de beleza e equipamentos esportivos. 

Adoramos comer, pois nossos antepassados evolutivos viviam na escassez e só os mais ávidos por comida sobreviveram. Esse comportamento agora que temos agricultura e pecuária é explorado pela indústria de alimentos para nos fazer comer mais, dando-lhes mais lucro e nos tornados obesos mórbidos. 

Tememos o desconhecido, seguimos líderes, e esse medo e essa característica inatos podem ser manipulados para se tornarem racismo, xenofobia e culto a personalidade a serviço de líderes totalitários, além de guerra aberta contra outros povos.

 Partindo de instintos comuns a varias outras espécies, a nossa é capaz de reelaborar o comportamento, para o bem ou para o mal. E tudo o que segue nossos instintos e os manipula tem muito mais força de convencimento do que o que vai contra esses instintos. 

É impossível convencer com argumentação racional uma multidão em fúria ou com medo a não linchar uma pessoa ou a não fugir pisoteando os outros. O instinto de comportamento em bando, ligado diretamente a sobrevivência é muito mais forte que a razão. Os instintos ligados a reprodução também são muito influentes em nosso comportamento... 

Outras formas de comportamento inato, apesar de serem em geral mais brandas e maleáveis tb tem seu peso em nos fazer agir no automático, animais que somos, que se consideram racionais em absoluto, mas não são. Esse é um fator desconsiderado no estudo do indivíduo e da sociedade. 

Muitos se perguntam como o extermínio de milhões de pessoas foi possível na Alemanha nos anos 40 do século passado. E como inúmeros outros governos conseguiram ao menos por alguns anos eliminar quase totalmente o senso critico de populações instruídas como as da Europa... Várias respostas se juntam para explicar o quadro, mas uma resposta possível que quase nunca é dada é que há no nosso comportamento inato margem para manipulações desse tipo. 

Hitler e toda a liderança nazista não surgiu do nada e nem todo o conjunto de inúmeros déspotas que se seguem na Historia. Todos de alguma forma conseguiram acessar o ponto em que não somos racionais e sim instintivos, e usar isso com resultados bem reconhecíveis... 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Monoteísmo e sociedades centralizadas e dominadoras

O estabelecimento de uma variante do monoteísmo hebraico, o cristianismo, pelo imperador Constantino como a religião única do Império Romano foi uma tentativa desesperada de se conter o desmantelamento da estrutura sócio-econômica e cultural do Império Romano e obteve êxito em alguns pontos fundamentais. 

Apesar de se considerar que a parte ocidental do império ruiu no século V, a cultura e formas de organização social preservadas pelo monoteísmo acabaram por influenciar os povos germânicos que se estabeleceram dentro das antigas fronteiras romanas. Em poucos séculos praticamente todos os povos germânicos já haviam se convertido a nova religião sob as ordens de reis que viram a utilidade do monoteísmo como unificador sócio cultural e facilitador do domínio de uma autoridade sobre o conjunto da população... A formação dos reinos europeus medievais se deu sob a tutela da ideia da religião monoteísta. A Europa moderna nasceu sob a influencia dessa ideia e a difundiu pelo mundo.

Com a enorme influencia da Europa a partir das grandes navegações do século XV ocorreu a “exportação do monoteísmo” a todos os outros continentes e inúmeros povos de todo o planeta, a ponto do monoteísmo ter se tornado hegemônico em varias regiões e culturas do mundo. Essa dominação da crença em um deus único sobre o mundo todo é mostrada de forma inteligentemente irônica, por Saramago em O evangelho de Jesus Cristo. No romance, Jesus é apenas um instrumento (e não um filho) que Javé usa para deixar de ser um pequeno deus do deserto e se tornar o deus mais influente do mundo...

Na Península Arábica ocorreu outro grande exemplo da utilidade do monoteísmo em unificar povos sob a tutela de impérios. Os árabes criaram a sua variante do monoteísmo hebreu, o islã e usaram essa ideia para unificar inúmeros povos da Ásia, África e mesmo de regiões da Europa. 

Resumidamente vimos como as crenças de um povo do deserto acabaram dominando no mundo atual bilhões de pessoas por terem sido úteis, aceitas e difundidas por grandes impérios do passado. 
Monoteísmo, no entanto não é um termo exato devido à dificuldade em se determinar o que é um deus único e negar o status divino a outros seres sobrenaturais. 

Nos mitos bíblicos, Javé usa de emissários (anjos) para agir entre os seres humanos e não nega a existência de outros deuses, apenas proíbe os hebreus de lhes cultuar. Disputa com o diabo a influencia sobre Jó e ao menos uma vez é sobrepujado pelo diabo na influencia sobre o rei Davi. Também no islã o deus único Alá conta com o auxílio e oposição de seres sobrenaturais como os djins. Mas é no cristianismo que a herança do politeísmo se mostra mais claramente devido a influencia greco romana sobre a região da palestina da época em que ele foi criado.

 Jesus é uma divindade ao estilo grego, filho de um deus com uma mortal. Há um deus “espírito santo” e o deus criador, o pai, que apesar de ser identificado com Javé não demonstra a arrogância e a crueldade típica desse deus em passagens anteriores da bíblia. Tentativas de se unificar esses três deuses esbarram no fato de que só o deus pai dispõe de informações tais como quando será o fim dos tempos, informação que Jesus, não possui... E o cristianismo, que já nasceu influenciado pelo politeísmo grego seguiu nossa tendência a divinizar a tudo e a todos, elevando mais e mais seres sobrenaturais ao status de deuses. 

Ao se firmar como Igreja católica no fim do Império Romano, estabeleceu o culto a divindades menores; em geral heróis e mártires mortos. Entre os gregos eram chamados semideuses, entre os católicos são os santos. Católicos tentam negar o fato de que santos são deuses, mas continuam pedindo a eles curas de doenças, boas colheitas, vitórias em competições de todo tipo, sucesso profissional, casamentos, chuvas e tudo o mais que outros povos politeístas pedem aos seus deuses... 

Grupos minoritários de cristãos, em especial os pentecostais (evangélicos) dizem se opor a influência do politeísmo mas aceitam a já citada caracterização de Deus como sendo três pessoas e apontam a ação do diabo como tão grande sobre o mundo que fica impossível não o caracterizar como um deus e aqui é preciso enfatizar um ponto. Um deus não é necessariamente bom, é apenas um ser sobrenatural a que se rende um culto ou ao qual se tem temor devido a sua grande influencia sobre o mundo. Difícil caracterizar Javé como sendo bom quando sabemos que ele matou inúmeras pessoas por motivos banais tais como homossexualidade, consumo de sangue e carne de porco e sexo fora do casamento... E ainda as condena a tortura eterna no inferno... 

O que temos entre os pentecostais e outros grupos cristãos minoritários é um deus criador do mundo que atualmente pouco age sobre a sociedade humana. Ações mais significativas e benéficas sobre as pessoas são efetuadas pelo deus filho, Jesus, mas só em quem o aceita por meio de uma cerimônia publica chamada batismo. A esses ele concede bens materiais e vida eterna. É um deus exclusivista que nega tudo a quem não o adora. Agindo sobre as pessoas de forma maléfica, temos um deus corruptor, o diabo, que não discrimina ninguém, não precisa ser aceito para que influencie a sociedade, governos e tudo o mais que seja humano. Nas crenças dos grupos evangélicos o diabo é o deus mais atuante, pois não se impõe restrições... 

É muito difícil, ou talvez impossível se estabelecer um culto realmente monoteísta, ficando tudo apenas na base da “restrição ao exagero do numero de deuses”, e talvez seja apenas essa a necessidade. Na pratica pouco importa se o numero de deuses seja apenas um ou dois ou três. O que se tenta evitar é a divisão cultural da sociedade própria do politeísmo com seus inúmeros deuses. Impérios e outras sociedades centralizadas precisam que uma vontade geral e unificada seja aceita pela população e um bom jeito de se obter isso sempre foi a religião. No passado distante a nossa espécie se dividia em pequenas tribos, cada uma com seu próprio conjunto de crenças. 

Unificação de crenças é uma necessidade quando ocorre a unificação de tribos em comunidades maiores, sociedades mais complexas, impérios... É comum que os deuses das sociedades dominadas sejam suprimidos ou inferiorizados em relação ao deus da sociedade dominante. O cristianismo fez isso com os deuses anteriormente cultuados no império romano. O islã o fez com os da península arábica, os do norte da África e do sul da Ásia. O catolicismo agiu assim com todos os povos dominados pelos europeus por praticamente todos os continentes, em especial a América latina. 

Atualmente os pentecostais reprimem o culto aos deuses de origem africana e indígena da umbanda e demais crenças politeístas outrora tão comuns nas periferias dos grandes centros brasileiros... Tb estão agindo assim entre populações indígenas, trocando os mitos politeístas pelo mito monoteísta cristão. Carl Sagan afirma em O mundo assombrado pelos demônios que o monoteísmo é próprio de povos mais agressivos e que dominam outros. Ele está correto e os motivos foram explicitados acima. A dominação de uma cultura sobre outras é o que se esconde muitas vezes por trás da substituição do politeísmo pelo monoteísmo.

Monoteísmo, origem e evolução histórica

Seres imaginários povoam as crenças de quase todas as culturas do mundo, ou talvez de todas. Existem de tantos tipos quanto nossa imaginação possa conceber. Alguns são poderosíssimos, capazes de decidir sobre o destino da sociedade, produzir fenômenos climáticos que auxiliem ou prejudiquem colheitas e demais atividades humanas e mesmo seriam os responsáveis pela criação e manutenção da existência do mundo e de tudo o que nele existe. São cultuados e temidos por seus poderes e sua influencia em uma escala muito além de nossa capacidade. Ao serem agraciados com homenagens e sacrifícios podem nos beneficiar e prejudicar nossos inimigos. Podem nos castigar quando cometemos faltas e não cumprimos nossas obrigações... 

A caracterização cultural dos deuses de diferentes povos de diferentes épocas históricas como podemos ver acima não pode ser feita senão de maneira abrangente e geral. Não há critérios objetivos para se diferenciar deuses de outros seres superiores e sobrenaturais. Mas isso é relativamente pouco problemático quando se trata de politeísmo. Nesse tipo de crença religiosa, a rigor, não há necessidade de distinção absoluta entre os deuses e outros seres sobrenaturais. Uma distinção possível seria o fato de que aos deuses se aplica algum tipo de culto ou temor, pois sua influência sobre o mundo dos homens seria mais abrangente e decisiva. Nesse sentido até mesmo pessoas mortas podem ser alçadas a condição de divindades, algo comum entre culturas “pré-históricas”, entre os gregos antigos e tb entre católicos modernos (apesar deles se crerem monoteístas, mas discutiremos isso mais adiante).

A origem da crença em deuses, essa sim pode ser definida em termos objetivos. A consciência humana é algo tão poderoso em se auto-iludir e ver significado em tudo que acontecimentos sem explicação são tidos como fruto de intenções ocultas, de seres aos quais não se pode ver, e cuja existência se situa acima das limitações humanas. Essa é uma adaptação evolutiva e uma das causas da crença em seres sobrenaturais. A origem do mundo, a chuva, o sol, a lua, a alternância entre estações do ano, o movimento relativo dos astros no céu, as marés, as cheias dos grandes rios, os períodos de seca, a organização política e econômica da sociedade e toda sorte de fenômenos naturais e sociais parecia aos olhos de nossos antepassados como sendo obra desses seres superiores. 

A nossa tendência a seguirmos líderes, outra adaptação evolutiva comum entre animais que vivem em bandos origina a necessidade de crermos que alguns desses seres superiores são senhores de nosso destino, os criadores da natureza, da estrutura social e das suas regras. São os deuses do politeísmo. 

Mas após milênios de politeísmo, algumas sociedades tentaram reunir esses seres em uma só entidade, em um só deus. Temos assim o  monoteísmo. Essa tentativa de unificação pode ocorrer por motivos variados, mas a necessidade de unificação sócio-econômica e cultural de um ou mais povos sob o governo de uma classe social dominante com um líder proeminente é em geral um fator importante. 
Mas como veremos há muita dificuldade em se manter o culto a um só deus, pois tendemos a criar vários deuses e outros seres sobrenaturais para explicar e justificar diferentes aspectos do mundo. 
Em geral as pessoas não aceitam pacificamente que seus seres fantasiosos diversificados sejam reduzidos a um só ser fantasioso do monoteísmo governante... 

No Egito antigo a tentativa em se estabelecer o culto do deus Aton como o único foi feita sob a tutela do faraó Amenófis IV treze seculos antes de Cristo. Estava ele interessado obviamente em reduzir a influencia dos sacerdotes dos inúmeros outros deuses e aumentar a sua própria sobre a população. Embora não tenha obtido êxito em se firmar, devido principalmente a inabilidade de Amenófis em superar a oposição dos sacerdotes dos outros deuses, essa reforma deixou uma herança cultural que influenciou os povos da região. 

Séculos depois os persas já contavam com um sistema religioso, o zoroastrismo, que reduziu drasticamente o numero de deuses, onde apenas dois deles tinham importância fundamental no mundo, sendo um deus favorável a ordem e a luz e outro ao caos e as trevas. Tb os hebreus beberam dessa fonte. O estabelecimento do culto único a Javé entre os hebreus (que antes eram politeístas) foi uma unificação cultural e uma forma de resistência ás outras potencias militares do Oriente médio da época. Mas novamente essa experiência teria se limitado a esse povo se não fosse pela aceitação dessa ideia pelo maior império da antiguidade, Roma. E isso mudou tudo.

Continua.