Total de visualizações de página

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A web e a divulgação de bobagens



Irrito-me a ouvir e ler afirmações sem base sendo repetidas como verdades. A web nesse sentido é algo a que deveria ter horror, mas, isso seria uma simplificação. Não ocorre apenas a divulgação de tolices na web, obviamente, mas temos a impressão de que elas estão esmagadoramente em maioria e possivelmente isso seja verdade. 

Indivíduos tendem a formar grupos e conversar com conhecidos ou pessoas que tenham formas semelhantes de pensar. Daí fazem afirmações sem base alguma tal qual fariam no bar da esquina ou no banheiro feminino. Mas há uma diferença. Conversas de boteco e de banheiro tendem a ficar apenas nesses espaços, já uma informação divulgada na web tem um alcance ilimitado por tempo também ilimitado. Então grupos com pensamento radicalmente diferente acabam por ter acesso ao pensamento um do outro de uma forma que não ocorre fora do “mundo virtual”. Isso resulta em conflito. 

Conflitos de informações pode ser um fator gerador de conhecimento desde que cada lado esteja disposto a ceder quando as evidencias do outro lado sejam mais fortes, mas isso é utopia. O comum é que discussões na web se deem entre bandos semi-irracionais onde informações falsas, tolas e todo tipo de bobagem são confrontadas com outras do mesmo tipo do bando concorrente. Diálogos construtivos entre diferentes opiniões são minoritários, o que confirma a ideia de que nosso cérebro tende a reproduzir as condições em que evoluiu, mesmo que virtualmente. 

Nesse caso as discussões na web seriam uma reprodução das disputas territoriais, por recursos naturais, status social e mesmo pela atenção de parceiros sexuais. Machos humanos evoluíram caçando e enfrentando disputas territoriais, o que explicaria em parte o fato de que são homens a maioria dos que se envolvem em “disputas territorialistas” na web. Nessas discussões, como já foi dito, o que vale é o urro de afirmação e não a qualidade do conteúdo da argumentação.

Fêmeas tem disputas mais sutis e se ocupam mais com informações as quais acreditam serem benéficas. Elas imaginam que informações sobre saúde, beleza e bem estar possam ser úteis para seus conhecidos, embora não se preocupem em verificar se são ou não reais. Assim divulgam grande quantidade de falsificações sobre procedimentos médicos, dietas, cura por meio de plantas e cuidados estéticos na tentativa de ajudar. Tanto homens quanto mulheres se prendem á força impactante das palavras e das imagens e não ao conteúdo real do texto ou charge. Então boatos são repassados de forma quase irresistível. Afinal basta repassar o email ou curtir a imagem e a AOL, a Microsoft e agora o Facebook colaborarão com o tratamento da menininha doente, não é mesmo?

Mulheres tendem a ficar magoadas e homens contrariados quando o que publicam é desmentido, pois para a parte primitiva de nosso cérebro trata-se de uma disputa real de vida ou morte ou de uma ajuda real que oferecemos. Essa parte não entende coisa alguma das sutilizas sociais. Sem o controle de nossa parte racional, discussões descambam para agressões pois nosso “eu primitivo” não sabe diferenciar uma discussão trivial sobre música de uma disputa por uma poça d’água que seria a diferença entre a vida e a morte em época de seca no paleolítico. 

Escrever bobagens não é indicativo de que a pessoa seja tola. Autoengano, ingenuidade, vontade de ajudar, crença em ter descoberto uma informação nova e útil... São esses alguns dos motivos pelos quais pessoas escrevem tolices. Não há uma maior incidência de bobagens ditas na web do que fora dela, apenas não há filtros de informação como há em outros meios de comunicação social, em especial os mais formais como instituições educacionais, publicações cientificas e canais educativos de televisão. Existe web sites que apresentam grande confiabilidade em informações disponibilizadas, mas aqui tratamos da web em geral. E nela quase tudo corre informalmente.

Redes sociais e blogs continuarão com sua  tendência a divulgar falsificações. E mesmo sites com propósitos honrosos como a Wikipédia poderão divulgar inverdades devido ao descuido de administradores. Mas não é demais lembrar que é possível se encontrar contra pontos a desinformação na própria web desde que se tenham disposição para checar informações antes de sair curtindo tudo por ai...

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O inconsciente II


A noção de que temos id, ego e superego tal qual afirma Freud é apenas uma alegoria. 

Nosso cérebro é dividido em várias partes que realizam varias funções, mas evolutivamente podemos dividi-lo em três partes. Uma parte primitiva, que não difere do cérebro de outros animais onde emoções como o medo, o prazer, a raiva e o desejo sexual se expressam. Uma parte intermediaria semelhante ao cérebro de mamíferos superiores e finalmente o neocórtex, que surgiu recentemente na história evolutiva e é a sede dos processos mentais mais elaborados chamados genericamente de consciência.

Varias ações são realizadas de forma automática. Algumas são benéficas como dirigir um veículo sem precisar refletir sobre qual atitude tomar a cada momento. Outras são questionáveis, como quando traímos parceiros por não resistir ao apelo sexual. E ainda outras são maléficas e prejudiciais como quando confrontamos fisicamente alguém por raiva sem que estivéssemos em risco real de sermos agredidos. Mas tudo se deve a estrutura do encéfalo. 

O “funcionamento automático do cérebro” (termo que prefiro ao invés de inconsciente) só nos demonstra que nosso "eu mais profundo", nossa base biológica, é a mesma de animais a que consideramos inferiores a nós, apesar da proximidade na árvore da evolução, como chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos. 

E mesmo nesses animais o funcionamento automático da mente não é absoluto, já existindo indícios de entendimento limitados sobre a realidade e ações conscientes em forma rudimentar. Mas foi no cérebro de nossos antepassados que ocorreu a evolução das estruturas superiores do encéfalo, o que possibilitou a ascensão de um fenômeno novo na vida na Terra, a consciência.

O inconsciente não é uma “parte não utilizada de nosso cérebro”, apenas seu funcionamento é diferente, não se baseando em racionalidade e reflexão sobre a realidade. Ele não é um corpo estranho dentro de nossa mente produzido por paradoxos entre indivíduo e sociedade. Ele é o resultado da atividade de partes primitivas de nosso cérebro que agem sem o nosso controle direto e que cuidam de aspectos inatos de nós mesmos. 

O controle da parte consciente da mente sobre atitudes irracionais pode essa sim ser ampliada culturalmente através da educação formal e informal, dada pela família, comunidade e escola.

O inconsciente I

Para místicos e para algumas pseudociências usamos uma pequena parte da nossa capacidade cerebral... 

Seria o cérebro  uma Ferrari que dirigimos feito uma carroça. A parte “não usada” seria o inconsciente, também chamados pelos místicos  de subconsciente. A quantidade do uso consciente estaria em 10%. Já ouvi uma adepta do misticismo oriental diretora de uma escola dizer que é apenas 3% o uso real.

Temo que no caso dela isso seja verdadeiro.

Místicos inventam o problema e vendem a solução.  Apresentam-se como capazes de “ampliar o uso do cérebro” por meio de várias técnicas. 

Ao ampliarmos esse uso nossa mente se elevaria ao ponto mesmo de ganharmos superpoderes. 

Poderíamos ler e controlar mentes, prever o futuro, ter visão de locais remotos, movermos objetos sem contato físico com eles, fazermos “viagens fora do corpo” e o que mais a imaginação puder conceber. 

Citam o psicanalista Freud como sendo a fonte da crença que tem.

Freud nunca defendeu tais idéias em sua obra. Inconsciente para ele é algo bem diferente. 

É recorrente que o misticismo tal como um perneta use a ciência como muleta. Chega ao extremo de falsificar conclusões científicas para que justifiquem suas crenças. 

A obra de Freud encontra-se com um status relativamente elevado no campo do conhecimento e realmente concluiu ideias interessantes sob a mente humana. Mas não pode ser classificada como ciência, não se atem a critérios objetivos. 

Erra ao dar muita ênfase ao moralismo (aspecto da cultura) e não à origem e à função biológica do sexo na evolução do comportamento por exemplo. 

Nele o inconsciente se parece com uma pessoa com sérios distúrbios mentais, incompreensão e desapego da realidade, além de tendência a manipular, enganar e cometer abusos de toda ordem. 

Essa pessoa, o inconsciente, estaria “dentro de nossa mente” e não teríamos normalmente acesso a ela. 

O inconsciente por sua vez nos influenciaria, de dentro, em nossas ações comportamentais de forma irracional. 

Nessa perspectiva o inconsciente seria gerado e nutrido pela contradição entre individuo e sociedade. Seria uma resposta do indivíduo ás proibições, regras restritivas e moralistas feitas pela coletividade. 

Seria uma “válvula de escape” gerada para não sucumbirmos à pressão da sociedade, mas incontrolável, a priori, por esse mesmo individuo que o criou. Como o feiticeiro que conjurou demônios mais poderosos que ele e não conseguiu controlá-los. 

Para nos possibilitar um relativo controle desse inconsciente Freud cria a psicanálise. Acreditava ele que o inconsciente se expressa por sonhos, mas também por sinais visíveis e identificáveis no cotidiano. 

Passou a tentar correlacionar esses sinais a significados ocultos em nossa mente para possibilitar nosso entendimento do porquê de atitudes constrangedoras, desagradáveis e prejudiciais realizadas por nós. Com isso pretende favorecer o alcance de formas mais aceitáveis de comportamento e principalmente o fim de transtornos como ansiedade, depressão, manias e fobias.

Freud não se deteve na análise da biologia cerebral, sua estrutura e sua evolução. Vislumbrou noções acertadas de que “não fazemos tudo de forma consciente”, mas errou ao entender de forma invertida a origem desse inconsciente (é biológica e não cultural) e consequentemente em dar funções inexistentes a esse inconsciente. Por exemplo, não somos agressivos porque a sociedade moldou essa atitude em nosso inconsciente. Somos agressivos porque nossos antepassados agressivos sobreviveram tempo suficiente para gerar descendentes. Os menos agressivos sucumbiram frente a um mundo primitivo onde a passividade implicava em submissão, menor possibilidade de se conseguir parceiras sexuais e mesmo morte. 

Alguns seguidores de Freud por sua vez ampliaram esse desacerto a ponto mesmo de flertar com noções pseudocientíficas e mesmo místicas, pois não se observaram métodos experimentais, comprovação de ideias por meio de evidências e comparação real de resultados de outros pesquisadores. Por vezes tudo gira no mundo do subjetivismo, onde um mesmo fator significa coisas diferentes pra diferentes psicanalistas.

Em ambos os casos, seja em Freud ou nas ideias atuais sobre inconsciente baseadas na neurologia, há um “funcionamento automático” do cérebro, uma "segunda mente" desligada do lado racional da mente consciente que age sem necessidade de reflexão. Mas Freud vê coisas que não existem. Inventa significados e descobre padrões que não se confirmam.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Cérebro e seleção natural II


Somos uma espécie cujos machos preferem fêmeas com corpo de violão. São agressivos e na juventude essa agressividade se da a ponto de podermos ser considerados uma das mais violentas espécies do planeta na busca por parceiras sexuais e luta por território. 

Nós e várias outras espécies somos territorialistas. A maioria dos animais resolve disputas territoriais com rugidos, pelos ou penas arrepiados, postura agressiva e garras e dentes a mostra e no máximo ferimentos leves por mordidas e arranhados. Machos humanos produzem guerras que matam milhões para dominar o território alheio. Temem que sua companheira tenha relacionamento sexual com outros machos. 

As fêmeas preferem machos mais fortes e mais altos que elas. São bem menos violentas fisicamente. A agressividade se expressa em alianças informais feitas por um grupo feminino contra outro ou contra uma só. Os motivos podem ser concorrência por status social, atenção de parceiros sexuais e outros. Elas defendem seus filhos em qualquer situação de forma empedernida e temem serem abandonadas por seus companheiros em troca de outras fêmeas. 

As crianças pequenas tem pensamento mágico e tendem a seguir líderes mais velhos. Acreditam em qualquer coisa que  disser e se dispõem a cumprir regras ditadas por ele. Característica essa que tende a continuar a existir em adultos, mas com variações de intensidade no senso crítico. Isso possibilita que pessoas sem nenhum problema psiquiátrico sigam líderes tais como o religioso Jim Jones e cometam suicídio coletivo, ou que a maioria da população alemã tenha apoiado a liderança de Hitler.  

Bebês reconhecem rostos com enorme facilidade e os com idade um pouco maior acompanham atentamente as ações de outros bebês e crianças pequenas.

Os seres humanos de ambos os gêneros tem uma grande capacidade de reconhecer padrões, sejam eles reais ou não, daí conseguirem enxergar rostos humanos em uma foto, em uma mancha no vidro da janela, em uma torrada ou até em três pontinhos feitos dentro de um círculo. Conseguem detectar intenções de outros seres humanos, mas veem essas intenções onde elas não existem. 

Acreditam em coisas tais como a intenção de uma divindade ligada ao clima. Ela pode se negar a acabar com a seca devido a atitudes humanas que a desagradaram. Ou que atraíram a atenção da sorte para serem favorecidos em um sorteio por meio de uma simpatia ou amuleto.  Em todos os casos humanos adultos acreditam ter razões que justificam suas crenças, mesmo que tais crenças sejam irracionais. Como quando líderes políticos afirmam que guerras pelo domínio de outros países têm “razões humanitárias”. Ou quando líderes religiosos afirmam que seus livros escritos há séculos explicam corretamente a origem do universo, da vida e do ser humano.

Todas essas características comportamentais e muitas outras independem da cultura em que o indivíduo vive, são inatas e tem clara base biológica. Tiveram papel decisivo na sobrevivência de nossos antepassados primitivos que viviam em condições bem diferentes das atuais. A seleção natural estruturou nosso cérebro para comportamentos na maioria úteis, mas nem por isso infalíveis. Principalmente quando fora do contexto onde se originaram. 

Alguns exemplos foram citados acima, como a tendência a seguir líderes. Essa é uma característica típica de animais sociais. Entre os humanos é muito usada por lideres políticos sendo estes também vitimas do mesmo mal. Só que de forma invertida. Eles creem serem líderes infalíveis que guiam o povo em sua jornada para um futuro radiante. Líderes religiosos adotam títulos como pastores (ovelhas são também mamíferos sociais) padres (pais) e anciões (experientes e sábios). Eles acreditam ser porta vozes de seres superiores ou se confundem com o próprio ser superior.

Esse comportamento nos faz parecer um rebanho de mamíferos sociais comuns, o que é mais verdadeiro quanto mais se aceita a liderança irrestrita baseada em escolhas não conscientes.

A cultura própria da comunidade onde vive o indivíduo é fator extremamente influente sobre o comportamento. Acentua, atenua e em grande parte molda o comportamento do individuo. Mas não tem sentido a crença de que somos como um disco rígido de computador onde informação é armazenada.

Uma analogia melhor seria a de que somos um computador completo, cujo sistema operacional é a consciência. Esta é continuamente reorganizada e ampliada em sua funcionalidade com a aquisição de informações. Mas não pode deixar de funcionar de acordo com o hardware onde foi instalado. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Cérebro e seleção natural I



A seleção natural é realizada pelo ambiente em que espécies vivas habitam e pela concorrência entre indivíduos e entre espécies, entre outros fatores. 

Ela favorece os organismos cujas características sejam as mais adequadas para o clima, para o tipo de solo, para a água doce ou salgada e para superar concorrentes que disputem com eles recursos do ambiente e parceiros sexuais. 

O organismo que nasceu com características genéticas que lhe dão mais condições de sobreviver e se reproduzir no ambiente em que se insere obviamente vai se multiplicar mais que outros organismos concorrentes. Suas características genéticas serão herdadas por mais indivíduos. Teremos a supremacia dos descendentes mais adaptados, mas esse processo não é passivo. Indivíduos menos adaptados poderão sofrer mutações também que mudem a história. 
 
Exemplificando. Digamos que ocorra uma mutação em um animal herbívoro que o torne mais rápido na corrida. Uma mutação benéfica para se fugir de predadores carnívoros. Esse animal mutante vai ter mais chances de viver mais tempo e se reproduzir mais. Então repassará seus genes a vários descendentes que continuarão o processo. 

Observe que não houve planejamento, foi uma junção de acontecimentos que favoreceu o animal e não um designer inteligente. Mas continuemos com o exemplo. 

Os carnívoros estarão em desvantagem. Então no extremo poderão ser extintos por não conseguirem mais caçar os rápidos herbívoros após muitas gerações, mas isso raramente ocorre. Carnívoros também sofrem mutações, podem desenvolver  mais velocidade, ou alguma outra capacidade de caça, passos silenciosos ou caçarem a noite enquanto os herbívoros dormem. 

No final teremos um equilíbrio entre as espécies, mas sempre relativo, pois as mudanças continuam. 

A seleção natural atua na totalidade do organismo. Mas parece haver uma tendência a se considerar o funcionamento do cérebro humano algo acima da natureza. 

A seleção natural foi estruturada em uma teoria no século XIX, mas apenas no fim do século XX se passou a considerá-la seriamente para se explicar o funcionamento do sistema nervoso central. 

Afinal de contas, o que chamamos de mente, a consciência, o pensamento, a memória, e todas as atividades cerebrais são também moldadas pela seleção natural.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Ciência e arrogância II


A pseudociência e o misticismo em geral usam de falsa humildade em dizer que não são donos da verdade, mas fazem afirmações sobre a verdade e inventam arrogantemente evidências sobre elas. A religião é de arrogância relativamente honesta ao se afirmar dona da verdade sem precisar comprovar nada. Mas modernamente mesmos esses conservadores se veem obrigados a inventar fatos que comprovariam suas afirmações, como quando o Vaticano afirmou que a teoria do universo inflacionário (o big bang) está em acordo com o texto bíblico da criação do mundo.

O método científico é necessariamente impregnado de real humildade em reconhecer suas falhas, em comparar suas ideias com as demais e tentar comprovar o que afirma.
No entanto há cientistas arrogantes. Muitos desses não são arrogantes com os próprios colegas cientistas, mas se acreditam superiores aos comuns mortais. O êxito da ciência cria na cabeça desses a impressão de que cientistas são brilhantes, os mais inteligentes, a elite intelectual da humanidade, verdadeiros deuses infalíveis.

É exatamente a confissão da falseabilidade o que permite o progresso científico.  Todo o avassalador êxito da ciência se baseia nisso. Cientistas não são deuses oniscientes e talvez seu diferencial seja a coragem de colocar a prova as suas ideias. Mas isso não é feito com todas as ideias. Um cientista espírita não vai questionar seriamente a reencarnação. Apesar da total falta de evidências ele vai continuar acreditando nela. O fato é que a crença se introduz em nosso cérebro de varias formas, e uma vez instalada vamos criar justificativas para ela. Por exemplo, o cientista pode já ter nascido em família espírita, então seguiu as crenças de seus pais. Ele vai defender sua crença afirmando que há casos comprovados de reencarnação, vai desmerecer o fato de que essas supostas comprovações são altamente questionáveis e em geral fraudes já desmascaradas por desenganadores tais como James Randi.

Não é arrogância se valer de comprovações para se afirmar que se sabe tal ou qual fato. É sim arrogância se dizer que apenas as suas conclusões estão certas sem se ter comparado honestamente com outras e com evidencias em contrario. E ainda mais profundamente é necessário um esforço, para muitos quase insuperável, para sobrepujar a enorme vontade de acreditar que todos nós temos. 

Nesse ponto não se deve mais falar em arrogância, pois as pessoas apresentam uma necessidade real de crer e a negação da crença arraigada é um processo muito difícil e até mesmo doloroso. Essa necessidade, ao que indica a psicologia evolucionista, tem base genética. Ela evoluiu por ter sido útil no passado. O problema é que nossa capacidade de separar crenças reais de falsas não é tão eficaz. Então acreditamos em muitas coisas inverídicas e nem por isso estamos dispostos a abrir mão delas, pois o objeto de nossa estima é a própria crença e não necessariamente no que cremos. 

Em outras palavras, estamos biologicamente programados pela seleção natural para defendermos o que acreditamos, mas nem tanto para tentar comprovar nossa crença por meios reais como evidências e comparação com as crenças diferentes da nossa. A superação disso só se da por um ato de vontade forte, consciente e acima de tudo humilde de querer não acreditar, mas sim saber.  

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ciência e arrogância I



Acredito na teoria da evolução por seleção natural. Penso ter informações sólidas para crer que suas conclusões sobre o desenvolvimento da vida estão mais próximas da realidade do que teorias concorrentes (a maioria dessas tais “teorias” não passam de hipóteses e o criacionismo é apenas um mito). 

Mas não seria apenas arrogância acreditar que estou certo enquanto muitos pensam o contrário? Por que teorias científicas podem ser vistas como verdadeiras enquanto outras formas de se produzir conhecimento não apresentam esse grau de confiabilidade?

O que diferencia o acreditar em uma teoria e em um mito? Porque a acusação dos negadores da ciência não procede ao afirmarem que tanto religião, misticismo e ciência não passam de crenças e devem ter o mesmo status? Ou ainda, haverá um critério infalível para diferenciar conhecimento real de suposições bem elaboradas?

A resposta à última pergunta é não, não há algo “infalível” nessa história. Sobre as demais questões, é possível se estabelecer critérios adequados para se ter conhecimento realista sobre algo, ao invés de suposições e “fé”.

Teorias não são simples ideias sobre um fato e sim a sua comprovação feita da melhor forma possível. É necessário um esforço coletivo através de experiências e principalmente troca de informações. 

Ninguém faz ciência em segredo absoluto.

Pesquisadores concorrem uns com outros para a comprovação ou refutação de idéias baseadas em evidencias, cientistas são verdadeiramente predadores das ideias dos demais. De nada adianta afirmar-se que tal substancia cure hepatite, por exemplo, ou que se fez fusão a frio se outros pesquisadores não puderem comprovar o experimento. 

Essa troca de informação e concorrência entre pesquisadores é parte fundamental do mecanismo de autocorreção da ciência. 

Quanto melhor se derem as condições para que ocorra, mais conhecimento objetivo é produzido. Caso não funcione, as falhas na produção do conhecimento poderão se impor a tal ponto que inviabilize o próprio processo.

O exposto acima não significa a impossibilidade de se construir conhecimento por meios que diferem da ciência, mas a quantidade de conhecimento produzido pelo moderno método cientifico é por demais evidente para não se reconhecer que se trata da forma mais eficaz de se  conhecer a realidade tal come ela é e não como a imaginamos. 

Mas não há nada de arrogante nisso, antes é a humildade de se submeter ao julgamento dos pares que possibilita o avanço da ciência. Não há essa humildade na religião. Cada credo afirma suas convicções sem se ater ao fato de estarem em desacordo com os demais e afirmam que os outros estão errados, e nenhuma evidencia é apresentada para coisa alguma. 

É tudo questão de fé, a crença sem fundamento de que um ser superior está nos guiando e nos fazendo acreditar em algo real. 

E essa “certeza” é muito perigosa. Se crermos que Deus, deuses, aliens, anjos ou espíritos superiores nos guiam, não evitaremos até mesmo atos absurdos tais como não vacinar nossos filhos ou explodir bombas para matar infiéis.