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sábado, 9 de março de 2013

Arte e loucura

Artistas tem notória capacidade de reconhecer padrões e recriá-los. A discussão se isso é inato ou aprendido é interessante. Há uma base biológica, mas é necessária uma enorme gama de conhecimento para se refinar e desenvolver qualquer traço inato de reconhecimento de padrões mais elevado que a média. 

Mas talvez seja possível afirmar que esses indivíduos já nasçam com pequena vantagem em comparação aos demais. Exemplo é a habilidade do “ouvido absoluto” em músicos. Habilidade inata que facilita o reconhecimento das notas musicais e sua reprodução em instrumentos.

A capacidade repassar intenções em suas obras também é algo imprescindível. Música, artes plásticas, teatro... Qual a mensagem que cada obra nos passa? A intenção do autor se expressando pela melodia, pelas formas e cores, pela fala e gestos dos personagens, pela visão do cenário... 


E não necessariamente padrões reais são apresentados. Ou intenções reais são expressas. Em obras de mistério, como literatura policial, padrões e intenções são camuflados para que não saibamos quem é o assassino... Em uma pintura um céu avermelhado talvez queira demonstrar angústia, como em “O grito”, de Edvard Munch

Na maioria dos casos o autor tem o entendimento e controle sobre o significado a ser expresso em sua obra. Nós da mesma maneira temos o controle do que entendemos nos demais e em nós mesmos. Mas isso nem sempre ocorre. Pessoas tem dificuldade em diferenciar padrões e intenções falsas das verdadeiras. Essa dificuldade é variável de individuo para outro. Vai desde um nível normal ou aceitável até um ponto em que chamamos de loucura. 

O limite entre loucura e normalidade é algo difícil de ser definido e isso é bem expresso em várias obras, tal como em “O alienista” de Machado de Assis. Nesse romance, por fim, o protagonista Dr. Simão Bacamarte  encarcera a si próprio no hospício por reconhecer que sua mania de ver em tudo sintomas de loucura era já um sintoma...

Encontrar padrões onde eles não existem e ver intenções onde não há nada não é sintoma de anormalidade até certo ponto. Isso se deve a grande dificuldade em diferenciar realidade de fantasia, verdade de falsificações. Nosso sistema nervoso evoluiu em situações onde era melhor acreditar mais do que duvidar mais. Por exemplo, aquele “som de arrastar” que seu antepassado ouviu há uns 500 mil anos debaixo de uma moita na savana africana. Ele acreditou se tratar de uma cobra venenosa e se afastou. Se duvidasse e fosse mexer na moita, teria sido picado e você não estaria lendo isso.

Quanto mais assustados estamos, mais nos apresamos a ver padrões e ver significados. Quando crianças qualquer olhar de reprovação de nossas mães nos fazia pensar que ela sabia que fomos nós que quebramos em querer o vidro da janela do vizinho. Quando adultos, se cometermos um crime, a visão de uma viatura da policia será tida como prova de que já estão nos procurando...

Pessoas que podem ser consideradas normais em geral preferem duvidar das explicações naturais se o sobrenatural for mais confortante ou se fizer parte de sua cultura e lhe der significado.Temos aversão ao acaso. Queremos crer que um ou mais seres superiores se importam conosco e que nada acontece sem uma intenção. Se nos curamos de uma doença de tratamento difícil não basta sabermos sobre o remédio e as técnicas de tratamento, queremos acreditar que ouve milagre. Mesmo o médico com toda sua formação científica pode fazer uma alegação desse tipo, o que é bem comum. Se não há cura nos apegamos a esperanças improváveis.

Mas esses comportamentos não impedem a convivência social e nem sempre resultam em grande sofrimento ao indivíduo. Já em casos de paranoia propriamente dita o individuo sofre pois se sente perseguido e prestes a sofrer uma ação violenta. Ou teme que alguém descubra algo que possa ser usado contra ele.  Na esquizofrenia seres inexistentes, ou suas vozes, falam com a pessoa. As vezes dão ordens que não podem ser deixada de lado e fazem o psicotico agir contra sua vontade...

No limite entre a loucura e níveis normais de dificuldade em diferenciar realidade de fantasia há um meio termo nebuloso. Até que ponto atitudes religiosas podem ser consideradas normais? Acredita-se que ao se ter uma vida devotada se ganhará o paraíso, mas se for parte dessa vida matar infiéis? Ou impedir a convivência de filhos com pessoas de fora da comunidade? Acredita-se que a fé cura, mas se devido a isso houver a recusa em tomar remédios? Vacinar os filhos? E não aceitar transfusões porque a bíblia proíbe o consumo de sangue...

Atitudes como essa são terrivelmente comuns entre pessoas sem qualquer diagnóstico de psicoses. Basta a crença de que esses comportamentos são os corretos. Nossa dificuldade em diferenciar ficção de realidade é notória. Filmes e vídeo games, com seus fantásticos cenários, trilha sonora e enredo convencem a parte não racional de nosso cérebro de que estamos mesmo vivenciando a situação. É por isso que temos medo e sentimos estresse, nos comovemos, ficamos alegres ou tristes, temos raiva ou excitação em frente a uma TV... Com nossa programação cerebral feita pela evolução nos forçando a acreditar, fica fácil entender porque o pensamento cético crítico é minoritário.

“Na duvida é melhor acreditar”, esse parece ter sido o lema que nos guiou até aqui. E mesmo entre os de pensamento mais crítico, não se é cético integralmente. O esforço consciente necessário para superar crenças sem fundamento é de difícil realização quando se trata de nossas próprias crenças. Elas nos são muito caras e nos dispomos a defendê-las com muito afinco, até mesmo quando são prejudiciais.

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