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sexta-feira, 29 de março de 2013

Sobre a psicologia evolucionista I




Mulheres preferem homens bem vestidos e homens cuidam da churrasqueira... Ambos por motivos evolutivos? Caçadores mais competentes se destacavam devido a sua habilidade e alcançavam maior status na tribo as quais pertenciam. E ao mesmo tempo tinham as melhores peles para usarem como proteção contra o clima. Mulheres têm naturalmente interesse por bons caçadores, pois são bons provedores. As que identificavam roupas (de pele) de melhor qualidade como símbolo de bons caçadores com maior status social obviamente tinham melhores chances de terem filhos com bons provedores. Sendo instintivamente caçadores é natural que os homens lidem com a carne. Mulheres coletavam frutos, caules e raízes comestíveis. Até hoje isso se reflete no hábito masculino de se preparar a carne em churrascos e no hábito feminino de ir às compras de vegetais em feiras e mercados.


As ideias expostas acima demonstram alguns equívocos sobre a influência da evolução em nosso comportamento presente. É um erro se ter em mente algumas sociedades apenas e tomar essa parte como referencia a toda a humanidade. É um erro também reduzir comportamentos complexos largamente influenciados pela cultura à sua base biológica, ao contrário deve-se partir da base e observar se há influencia dela sobre o comportamento. E em especial é um erro acreditar que comportamentos surgidos recentemente sejam de origem imediatamente biológica. 

Antes é necessário considerar-se que eles refletem indiretamente sua origem evolutiva ocorrida há, no mínimo, centenas de milhares de anos*. Nossa consciência tem influência em geral decisiva sobre comportamentos de origem biológica, mas nem sempre. Temos que entender que nossa vontade é algo complexo. Agimos de forma planejada, organizada e tudo o mais, mas há também o impulso, o fazer algo “por instinto”. Afinal de contas as partes primitivas de nosso cérebro não se diferenciam do cérebro de outros primatas. 

Vivenciei um caso interessante nesse sentido. Uma jovem assistente social feminista e militante de esquerda, ao ser paquerada inoportunamente por um conhecido, obedeceu ao impulso inato de reclamar ao parceiro ao invés de usar os tais direitos iguais e reclamar ao próprio assediador... Apesar da cultura em que ela se insere lhe dizer que é a mulher que deve cuidar de si, ela prudentemente obedeceu ao que a evolução lhe mandou fazer... Quando nos referimos aos comportamentos inatos devemos ter em mente que eles podem ser evitados se quisermos, mas não suprimidos de todo. 

A nossa base biológica é assim um alicerce. Não há determinismo absoluto quando tratamos de nossa mente. Quando falamos de grupos sociais existe grande influência da cultura. Em indivíduos existe a capacidade de repensar o que sentimos e de frear o que queremos fazer. Essa capacidade é obra da consciência. A consciência não é uma entidade mística que habita nosso cérebro. Origina-se nas partes mais modernas do nosso encéfalo. Ela própria é fruto da evolução por seleção natural, e ironicamente, é o que nos permite viver “acima do mundo natural” onde evoluímos.


A ideia sobre roupas é muito direta e não reflete a complexidade da questão. Antes de observar a suposta atração das mulheres por vestuário é necessário identificar se houve alguma vantagem evolutiva direta nisso ou se as roupas representam um símbolo. Nem todos os grupos caçadores usavam peles para se proteger. Entre os povos de regiões tropicais não havia o uso de roupas propriamente ditas. Tudo see resumia a proteção dos órgãos genitais, a não ser em comemorações e guerras. Mas o uso de dentes de animais predadores em colares, penas de aves de rapina em cocares e outros enfeites em orelhas, braços e pernas, além de tatuagens, eram comumente usados para demonstrar status. 

Chefes obviamente tinham cocares com penas maiores, colares com dentes de lobos, ursos, leões e outros grandes predadores. Mas mesmo essas práticas em si são relativamente recentes e não foram filtradas pela seleção natural. Antes são elas fruto de comportamentos ainda mais antigos, esses sim determinados da evolução. Seguir líderes é comportamento evolutivo em nossa espécie e em inúmeras outras. Para manter-se na liderança o chefe usa de modos de se diferenciar e de impor sua vontade. Entre outros animais essa diferenciação e a autoimposição se dão quase exclusivamente pelo maior tamanho e maior força física. Nos animais sociais onde o macho é dominante ocorre desses serem em média maiores e mais fortes que as fêmeas. Entre os elefantes africanos a dominação é feminina devido a serem as fêmeas maiores e mais fortes que os machos. 


Entre nós a dominância é masculina. Mas como temos consciência há uma divisão maior de poder nas sociedades em que as mulheres lutam por ele. A consciência é o fenômeno mais emblemático criado pela seleção natural. É a consciência, o conjunto de nossas funções mentais superiores, que nos possibilita atualmente sobrepujar a influencia da seleção natural. Mas ela própria é fruto dessa seleção que tornou nosso cérebro capaz sentir, interpretar e reconstruir a realidade. 

É a consciência que nos permite criar símbolos de status, como as roupas de grife, os enfeites corporais como colares, pulseiras e anéis de ouro, prata e pedras preciosas, os carros de luxo, mansões e palácios, os hábitos considerados refinados para diferenciar-se dos “hábitos grosseiros” das pessoas comuns... Alguns símbolos são explícitos como coroas na cabeça dos reis e um carrão na garagem. Ou um título de doutorado. 

As pessoas sem poder aquisitivo e outros meios para adquirir esses símbolos de status apelam para cópias que simulam o status elevado. Assim temos bijuterias, réplicas de roupas de marca e carros populares com enfeites que simulam os de carros mais caros (como o Cross Fox e o Sandero Stepway, ambos compactos disfarçados de SUVs). Porque temos pessoas que gastam muito mais do que ganham e fazem de tudo para criar e manter a aparência de status elevado? Esse comportamento sim é muito diretamente determinado pela seleção natural, é geral, comum a todas as culturas e tem clara função de atração de parceiros para a reprodução.


Não são, portanto, as roupas em si a questão, mas sim determinar a origem comum de toda a simbologia que indique liderança/atração. Tanto homens quanto mulheres em nossa sociedade respeitam, dão atenção, tem consideração maior ou no mínimo entendem se tratar de alguém diferenciado quando veem homens vestidos com um terno. Entre os povos indígenas da América do norte isso ocorria com homens que usassem colares de garras de urso e cocares de penas de águia grandes e vistosas. 

Os significados de símbolos diversos são aprendidos culturalmente, mas há a tendência inata de reverenciar símbolos que indiquem liderança e autoridade. Em todas as sociedades, não importam diferenças culturais, o líder se encontra acima e afastado de seus liderados e usa objetos e vestuário que definem sua função. Mesmo que realmente queira “se mostrar igual a todos”, ele não é visto assim por aqueles que o seguem ou que são obrigados a segui-lo. Será amado ou odiado, respeitado ou não, temido ou visto como vacilante, mas de qualquer forma ficará em evidência. O uso de trajes considerados superiores é obrigatório, tanto pelo presidente de um país moderno em uma cerimônia quanto por um chefe tribal na comemoração da vitoria em uma guerra contra a tribo inimiga. 

O uso de “traje inadequado” é capaz de causar constrangimento a um nível totalmente irracional. O comparecimento de um general em revista a tropa usando bermuda e camiseta seria por si só considerado insanidade, do mesmo modo que um soldado em formação usando esse mesmo traje seria punido por insubordinação. Símbolos de poder apelam e se comunicam diretamente com as parcelas primitivas de nossa mente, as que não questionam e agem automaticamente, e as roupas são talvez o símbolo máximo nesse contexto.
 
O comportamento de seguir líderes não é totalmente racional. Ele é aceito de forma acrítica pela maioria das pessoas. Comportamentos automáticos e próprios do senso comum são em parte diretamente determinados pela seleção natural.

Entre nós, devido a sua ação consciente, a mulher já alcançou em média maior status que em relação a todas as outras sociedades do passado. Daí então elas se apossarem de símbolos de status e liderança, antes quase exclusivamente masculinos. 


Essa transformação social é uma evidencia de que entre nós a consciência joga um papel enorme na superação de nosso passado evolutivo, mas negar a influencia desse passado é erro grave. 
 
*Ver no texto “A evolução humana continua a ocorrer?” nesse mesmo blog a explicação para que a evolução por seleção natural tenha aparentemente sido freada na humanidade nos últimos milhares de anos.

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