Total de visualizações de página

segunda-feira, 4 de março de 2013

Matéria e pensamento

Para o senso comum, matéria é algo vulgar, privada de tudo o que tenha “valores mais elevados”. Valorizamos o pensamento, a consciência, os sentimentos nobres, a inteligência, o bom senso e tudo o mais que parece estar fora do campo que chamamos de material. 
Acreditamos que existe o ideal em contraposição ao material, e que esse ideal é perfeito, acima das limitações humanas e em grande parte inalcançável. 
Ele abrangeria tudo o que consideramos nobre em contraposição às vulgaridades materiais, produzidos pelo trabalho humano em suas formas menos sofisticadas, em especial o “trabalho braçal”. 
Haveria na própria existência da humanidade, e de tudo o mais, algo imaterial, que move, anima e lhe dá sentido. Espíritos, deuses, anjos... Seres que teriam existência acima do mundo material. 
Mesmo nossa mente não seria algo gerado pelo cérebro e sim uma manifestação originada de um ser imaterial, a alma. Os termos “materialismo e idealismo” expressam esse entendimento de mundo. 
Essa percepção de que existem “dois campos de existência” se origina no próprio modo de funcionamento de nosso sistema nervoso central. As funções cerebrais, em especial as mais modernas evolutivamente falando são percebidas pela nossa própria consciência como pertencentes a um domínio diferente ao do mundo exterior material. 
Quando imagino uma mesa, posso vê-la mesmo em detalhes, sentir-lhe a textura e até mesmo o cheiro da refeição que por ventura esteja sobre ela. Mas se ela está dentro de minha cabeça, não tem existência material, ou pelo menos não existência material como comumente entendemos. Então qual o segredo? Como posso perceber essa mesa, a comida sobre ela, a cozinha toda, a casa onde ela está e tudo o mais que puder imaginar?  
Inúmeras tentativas de explicação foram tentadas. De forma geral, em sociedades onde não havia valorização do trabalho ou havia desvinculação do trabalho intelectual do trabalho braçal, houve obviamente a valorização quase absoluta das atividades intelectuais. 
Noções de que é a pratica que possibilita entendermos a realidade e só então construirmos ideias acertadas sobre ela foram desconsideradas. Em sociedades elitistas assim, como a Grécia escravista, houve o florescimento do idealismo filosófico. 
Ideias tem existência objetiva “em outro mundo” acreditavam os principais filósofos dessa época. Elas são a perfeição inalcançável e nosso mundo material é um reflexo imperfeito dela. O famoso mito da caverna de Platão é um legitimo representante dessa noção idealista. 
Nele, quem está dentro da caverna são as pessoas que se atém a analisar concretamente a realidade material, mas para os idealistas isso é um erro. Conhecimento para eles é contemplação e é “pensar sobre”. E não verificar na pratica as ideias sobre a realidade. 
Em período anterior, na própria Grécia, havia a predominância de outra maneira de pensar. Quando a sociedade grega não era ainda tão elitista e o trabalho e atividades práticas não eram vistos apenas como coisas de escravos. Ao invés de contemplar e raciocinar apenas, essa outra tendência nos ensina a agir sobre o objeto de estudo, a verificar resultados e ver quais suas implicações e influencias sobre outros objetos e fatores. Trata-se do materialismo filosófico. 
Atualmente nossa complexa sociedade se encontra dividida entre essas dua tendências. Na construção real de conhecimento a influencia do materialismo é dominante. A ciência não seria a forma mais eficiente de se produzir conhecimento se a realidade não fosse material. Mas na religião e no misticismo o idealismo encontra inúmeras formas de agir em favor de noções equivocadas sobre a realidade. 
Para os idealistas gregos, toda a produção de conhecimento atual pela ciência seria vista como sendo feita por quem vive na caverna, iludido pelo mundo material. Ora, isso é um contra senso. 
Todas as conquistas da ciência são uma ilusão? A realidade é um mundo das ideias? Nunca esse mundo foi encontrado e sua existência nunca foi comprovada. Então qual o sentido de se considerá-lo real? Real é o que tem evidência de existência, se não é apenas imaginário. Ao chamarmos algo imaginário de real isso não muda sua natureza, do mesmo modo que se chamarmos uma rosa pelo nome de margarida, ela não vai cheirar como margarida.
Kant demoliu essa barreira idealista que se erguia frente aos olhos dos filósofos ainda no século XVIII, mas muitos ainda se apegam aos escombros...
O erro é não observar que se cai em uma armadilha da ilusão do idealismo. Não existe um mundo das ideias. Essa realidade paralela é uma alegoria. É nossa atividade neural que origina a consciência. 
A mesa do exemplo citada não existe em outro mundo ao qual meu pensamento tem acesso. Ela é apenas informação armazenada quimicamente nas minhas células cerebrais e ativada eletroquimicamente. 
Uma comparação possível para entendermos todo esse quadro pode ser feito com a informática. Computadores armazenam e processam informações. Ao serem unidos em uma gigantesca rede mundial temos a possibilidade de acessar quase instantaneamente textos, música, imagens, vídeos e quase tudo que se possa imaginar no campo da informação.
Para alguns é um universo paralelo, não se atem ao fato de que o que veem em seus monitores está arquivado em outro computador ao qual estão acessando. Os arquivos não estão flutuando em um mundo desconhecido e mágico. 
Fazer download de um arquivo não significa que estejamos abaixando música ou filmes dos céus. Nós os estamos transferindo de uma máquina a outra... 
O mesmo ocorre com nossas ideias, conceitos, teorias, hipóteses, noções... Não estão em “outro mundo”, elas estão em nosso cérebro e nos cérebros das demais pessoas, ou guardadas em textos, vídeos, imagens, áudios e arquivos na web, entre outros meios. 
Também nossa mente não é algo imaterial produzida por uma alma e sim o produto das complexas atividades eletroquímicas do nosso cérebro. Seres imateriais por sua vez não tem existência objetiva. 
O mito da caverna de Platão precisa ser invertido. É esse filosofo e seus adeptos que ainda estão na caverna que eles mesmos criaram. E precisam ser resgatados. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário